quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Amor à Cruz

O AMOR À CRUZ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O terceiro anúncio que Jesus fez de sua dolorosa paixão, conforme registrou São Marcos (Mc 10, 32-34) deve levar o seguidor de Cristo, ainda uma vez, a uma profunda reflexão sobre o amor à Cruz redentora. Não se concebe o amor à cruz por ela mesma, senão pela união que tem com o divino Salvador e pelos grandes benefícios que traz ao homem em sua peregrinação por este vale de lágrimas e pelas preciosas lições que ela oferece. Para o verdadeiro cristão o amor à cruz é uma consequência e uma exigência da dileção ao Filho de Deus. Este, com efeito, aliou ao amor para com Ele o fato de carregar cada um a sua cruz: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24). Ele deu o exemplo e sua cruz ele a carregou até o Calvário e segui-lo supõe então que, com a mesma determinação, cada batizado não abandone a cruz que Deus reservou para cada um. Quem assim procede pratica as mais excelentes virtudes ensinadas e praticadas por Jesus como mostrou São Bernardo ao afirmar: “Quatro pedras preciosas de virtudes adornam os quatro extremos da cruz: no mais alto brilha a caridade; à direita, a obediência; à esquerda, a paciência e, na parte de baixo, a humildade”. Cristo, de fato, padeceu por amor aos homens e São Paulo exaltou esta verdade ao escrever aos Efésios: “Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo que nos amou e se entregou a si mesmo por nós como oblação e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2). Isto por obediência ao Pai como foi escrito aos Filipenses: Cristo “fez-se obediente até à morte e à morte de cruz” (Fl 2,8). Fulgiu também na cruz uma invicta paciência, como bem ressaltou São Pedro: “Ele, insultado, não respondia com insultos; maltratado, não ameaçava, mas se entregava àquele que julga retamente” (1 Pd 2,13). Brilhou, por tudo isto, a grande humildade do Salvador, exaltada por São Paulo: “Despojou-se a si mesmo, tomando a natureza de servo, tornando-se semelhante aos homens, e, reconhecido como homem por todo o seu exterior” (Fp 2, 7) e, assim se humilhou para oferecer o sacrifício reparador das culpas humanas, holocausto consumado lá no Gólgota. Na prática, segundo os melhores mestres espirituais, carregar a própria cruz significa a resignação cristã ante as provações de cada hora e já o profeta Isaías assim falava do Servo Sofredor que é Cristo: “Era maltratado e ele sofria, não abria a boca” (Is 58,7). É, outrossim, se transformar à imagem do Crucificado, como São Paulo que pôde asseverar: “Com Cristo me encontro cravado na cruz e já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. E, enquanto eu vivo a vida mortal, vivo na fé do Filho de Deus que me amou e entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,19-20). Os cristãos mais perfeitos se regozijam com suas cruzes como os outros Apóstolos, alegrando-se de padecer por Jesus (Atos 5,41), ou como São Lourenço e São Vicente mártires, ou como São João da Cruz que pedia ao Senhor padecimentos em prêmio de seus serviços. Imitando também Santa Verônica de Julianis, a qual tinha por maior tormento o sofrer poucas penas no meio de tantas que padecia. Um teólogo do sofrimento foi São Bento. No final do Prólogo de sua Regra ele assim conclui: “Pela paciência, participaremos dos sofrimentos de Cristo e mereceremos assim estar com Ele no seu Reino (Rm 8,17)”. São Bento não desejava que avancemos na vida tristes e deprimidos. Esperava que logo em nossa caminhada de cristãos, cheguemos àquele grau de desapego e de liberdade o qual nos permita ser transportados pela alegria do Espírito, um júbilo que é o fruto do amor de Deus e do próximo a encher os nossos corações. Ele, contudo, é também muito realista para saber que não podemos aí chegar sem o caminho que o próprio Cristo tomou, que é o da cruz. É necessário, segundo Bento, ensinar as duras e ásperas vias pelas quais se vai a Deus. Trata-se da kenosis, esta maneira de esvaziar de si mesmo para ser preenchido pela dileção com que Jesus nos amou, sofrendo e padecendo por cada um. Cumpre, realmente, amar sempre a Cruz de Cristo. Ela é nosso estandarte, nossa redenção. Ave crux spes unica - salve ó Cruz, única esperança! Cruz, cercada de tanto amor em cada século, em cada dia, em cada instante pelos verdadeiros cristãos! Cruz, pela qual, frementes de entusiasmo e vibração, as gerações cristãs continuam se redimindo e vencendo as insídias do Maligno! Todos os bons cristãos a repetirem com o Apóstolo Paulo que nada as poderá separar da dileção a Cristo (Rom 8,35), com o qual se acham crucificados (Gl 2,19). Com o mesmo Apóstolo, todos os batizados só desejando conhecer Cristo e Cristo crucificado (l Cor 2,2). Cruz de Jesus, amor, justiça, liberdade! Per crucem ad lucem – é pela cruz de Jesus que se chega à luz da eternidade feliz. Como bem explicou São Paulo: “Não há proporção alguma entre os sofrimentos deste mundo e a glória que um dia em nós se revelará” (Rm 8,18). É preciso caminhar sem desânimo, sem desfalecimentos, com esperanças e entusiasmo. A felicidade que nos espera custou o sangue divino e nos introduzirá nas delícias perenes do céu. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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