terça-feira, 18 de janeiro de 2011

OLHAR ESPIRITUAL

O OLHAR ESPIRITUAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Quando em Betsaida Jesus curou um cego, este afirmou que “enxergava todas as coisas com nitidez” (Mc 8,25). Nem todos os batizados distinguem claramente as mensagens divinas, possuindo um olhar espiritual transparente. Para que se obtenha de Cristo tal capacidade a primeira condição é o esforço com todo ardor possível de imitar o Mestre Divino em todas as coisas, tentando fazê-las como ele as realizaria. Cumpre, além disto, um desapego total do coração a tudo que, ainda de longe, possa desagradar a Deus, na alheta de Cristo que disse ser seu alimento fazer a vontade do Pai. Adite-se que um grande empenho deve haver em procurar não o que é mais fácil, humanamente falando, mas o que requer um esforço maior; não o que atrai os louvores, mas aquilo que só é visto pelo Ser Infinito. É o desejar em tudo os desígnios divinos e não a própria vontade, mesmo porque ninguém sabe, por si mesmo, o que é melhor para se chegar às alegrias infindáveis do céu. É muito mais vantajoso suportar as fadigas da existência na companhia daquele que é a sabedoria eterna do que estar interiormente reclamando das provas que Deus exige, sobretudo, de quem almeja trilhar as veredas da perfeição cristã. Bem diz o salmo que Ele está perto daqueles que têm um coração amargurado (Sl 33,19), pois Ele dá o condão de transformar espinhos em pérolas preciosas para a eternidade e oferece a força para que a alma enfrente as situações mais penosas. Quem não se dispõe a ouvir e a seguir as inspirações do divino Espírito Santo é semelhante a uma árvore que se acha plantada num campo árido, a qual não dará jamais frutos opimos ou é idêntico a um carvão incandescente que logo se apaga. Tal cristão perante a mínima dificuldade desanima, mesmo porque sua fé vai se estiolando longe do fogo do amor do Paráclito. É o calor desta dileção que purifica a consciência e torna cada um profundamente agradável ao Ser três vezes santo, rendendo-lhe o melhor de todos os louvores, porque esta atitude implica a total submissão a Ele e não à própria vontade. Toda obra pura e perfeita começa e termina envolta no amor a Deus. Para enxergar com nitidez as realidades espirituais é preciso, além disto, uma aversão completa às faltas veniais, dado que quem não é fiel no pouco não será maleável à ação da graça que exige contínua vigilância. Até mesmo não se deve procurar na oração consolações interiores, porque fazer das preces uma fuga do que é árduo é querer manipular a Deus. Com efeito, quem não faz de suas preces um subterfúgio para simplesmente fugir das dificuldades diárias é como um pássaro que voa livremente quando tem as asas inteiramente livres. Lembra São João da Cruz que uma abelha que querendo degustar a doçura do mel e nele flutua suas asas, não pode mais voar e, assim, uma alma que deseja apenas a doçura do espírito não tem mais liberdade para se elevar à contemplação das realidades sobrenaturais. Acrescente-se que quem quer enxergar com nitidez a face de Deus de uma maneira clara e simples necessita esvaziar seu espírito de todo apego às coisas criadas para poder marchar envolto na luminosidade divina. De fato, quando um cristão não para na superfície dos objetos exteriores e não se embaraça nos juízos humanos, mas se recolhe em si mesmo, longe das imagens terrenas, então, sim, ele pode conversar a sós e em paz com o Senhor de tudo. Disto resulta bondade, benignidade, humildade, paciência em todas as circunstâncias e em todos os lugares. Isto porque quem persiste no seu egoísmo tem o coração endurecido, incapaz de servir a Deus e ao próximo. A verdade é que um único pensamento do ser racional vale mais que todo o universo material e, por isto, apenas Deus o merece ter, ou seja, é necessário relacionar com Ele todos os planos que se possa ter. Quando o cristão se aplica a qualquer coisa fora de Deus, ele cria um obstáculo à luz celeste, embaciando seu olhar espiritual. Eis aí o mérito da reta intenção, isto é, o desejar fazer tudo para a honra e glória daquele do qual cada um depende em tudo que é ou pode realizar. Para tanto se faz mister a perseverança e a saída de toda inconstância. Jesus que curou o cego de tal forma que este afirmou estar enxergando todas as coisas com nitidez oferece sempre o colírio de uma fé profunda e tudo que é preciso para se contemplar as maravilhas de seu amor. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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