terça-feira, 23 de novembro de 2010

A FIDELIDADE CRISTÃ

A FIDELIDADE CRISTÃ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus foi taxativo: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19). No Apocalipse está bem decodificada esta sábia orientação do Mestre Divino: “Permanece fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2,10). Muitos pensam que o heroísmo do batizado só se dá no caso dos mártires, quando “o discípulo se assemelha ao Mestre divino que aceitou livremente a morte pela salvação do mundo e se identifica com ele no derramamento do sangue” (Lg 42). No entanto, fiel até o fim da carreira terrena deve ser ininterruptamente todo cristão. Nas mais diversas atividades de sua vida e no seu enfoque total é necessário que se multipliquem os atos heróicos e o exercício da fidelidade total não apenas na prática de uma ou mais virtudes, mas na tendência habitual à perfeição. Através dos tempos, felizmente, são inúmeros os que procuram penetrar na teologia da santidade de vida e, de modo peculiar na teologia da caridade. Isto provém do fato de que a humanidade inteira, e, portanto, cada pessoa humana particular é chamada em Cristo a uma vida de íntima união com a Santíssima Trindade. Trata-se justamente da participação da vida de amor trinitário que se prolonga lá dentro de quem está em estado de graça. Esta união de amor com Deus que robustece a fidelidade a Ele só se consumará plenamente na outra vida. No entanto, já é realidade agora no tempo, porque no batismo o ser humano é incorporado a Cristo, e em conseqüência, por obra do Espírito Santo começou a viver uma vida nova. Isto significa por sua vez que o cristão põe em marcha o processo da transformação radical do homem batizado que, segundo a dinâmica do amor divino deve levá-lo a conformação e identificação cada vez maiores e mais profundas com a pessoa do Verbo encarnado e redentor de todos. Justamente este processo de progressiva assimilação a Cristo é que exige e postula a fidelidade total da parte daquele que está engajado no Mestre divino. Todo esforço, porém, da parte de cada um é obra do amor de Deus, cuja graça nunca é negada a quem faz de sua parte. Eis porque São Paulo pôde afirmar: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza”. (Fp 4,13). Ser inteiramente fiel a Deus transcende absolutamente a capacidade natural do homem, motivo pelo qual não é nem pode ser fruto de voluntarismo humano. Por outro lado, exatamente por se tratar de união interpessoal entre Deus e o homem e por querer Deus comunicar seu amor, o homem não pode experimentar esta transformação mantendo-se em pura passividade. Vale aqui máxima: “Ajuda-te que o céu te ajudará”. Ao convite amoroso de Deus o ser racional, precedido e sustentado pela ajuda divina, deve responder com lealdade incondicional e total, que longe de esgotar-se em veleidades estéreis ou sentimentalismo fátuo precisa ser gesto ativo em grau máximo. É claro que não se trata de uma trajetória fácil e rápida. Tal transformação de todo o ser humano através da fidelidade constante é processo que enfrenta graves dificuldades, pois é necessário coragem para transcender os limites da própria pequenez e se abandonar generosamente à atividade divina. Mesmo o cristão está atingido por tendências egocêntricas que o impelem constantemente a fechar-se em si mesmo e a cair no desânimo perante as próprias fraquezas. Viver na mais absoluta fidelidade a Deus é luta constante e duríssima que exige autêntico heroísmo, mas que não é tarefa impossível. São Paulo no fim de sua existência pôde dizer: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa” (2 Tm 4,7-8). Um dos meios para a vivência desta fidelidade cristã é a redescoberta da prece e da tradição dos grandes místicos. O batizado que quer ser continuamente fiel precisa encontrar o sentido da prece solitária, da adoração a Deus, Ser Absoluto, e da contemplação das maravilhas divinas. Deus, Senhor de tudo, está realmente presente em cada alma. Seu amor é incomensurável e gratuito, é graça. A graça requer doação total e sem restrições ao Ser Supremo. Ela quer somente disponibilidade e fidelidade como aconteceu com o Apóstolo. Exige uma total simplicidade diante do Todo-Poderoso numa sinceridade que purifica inteiramente a alma.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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