UMA CENA DAS MAIS DOLOROSAS DA HISTÓRIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Uma cena das mais dolorosas da História se deu em Jerusalém quando Jesus caminhava para o Calvário. Aos olhos de uma desolada mãe surgiu o Filho banhado em suor e sangue, objeto de ignomínia. Estava ladeado por dois famosos facínoras e cercado por inimigos hostis a vociferarem sequiosos por sua morte. Maria caminhou uns passos para mais se acercar do Filho. Jesus ao chegar frente a sua Mãe parou. Fitou-a . Que instante lancinante! Que torrente de amor! Que divina correspondência! Que dilúvio de aflição! Que pélago de profunda amargura! O amor de mãe jamais se havia assentado em trono tão doloroso como o coração de Maria naquele terrível momento. Oh dor! Oh desolação! Anjos da paz, chorai! Pranteai esta sagrada Virgem dilacerada ante tanta crueldade. Portas da eternidade, penetrai-vos de luto diante de tal tribulação. Lastimai, estrelas do firmamento, e, todas as criaturas do mundo, acompanhai o pranto amaro de Maria. Indaguemos dela: Pobre Mãe, é este porventura vosso dulcíssimo Filho? É este que concebestes com tanta glória e destes à luz com tanta alegria? Onde os vossos gozos passados? Onde os vossos pretéritos júbilos? Onde o espelho de beleza em que vós vos miráveis? Seus olhos perderam totalmente o brilho, sua face é uma chaga viva, sanguíficada. Que injúrias são estas? Feridas, opróbrios, irrisão. Quão dessemelhante daquele seu Jesus amado! Quantum mutatus ab illo! - Quão diferente do que era! (Virg. Eneida II, 274). Repleta de melancolia, ei-la então submergida na amaritude, inebriada na dor, arrancada a toda sorte de consolação, entregue à sua mesma sensibilidade ao contemplar o Filho que se debatia nos ardores da sede, nas convulsões do mais terrífico martírio. Sombra profética de Simeão vem contemplar a realidade desoladora de tua sinistra profecia! Em cromatismo letal toda gama da dor perpassou pelo coração desolado de Maria. Todos os males assaltara, de tropel a mais delicada de todas as mães. Coluna de peso insuportável oprimiu a alma da desconsolada Senhora. Conjuntura assustadora a envolveu em abatimento aterrador. Seu ser foi tomado de languor aniqüilante que quase a entorpeceu. As vagas do padecimento desabaram sobre ela com seu aspérrimo conjunto de compaixão irreprimível, de mágoa intensa. Êxtase de pavorosa pena. As ondas irrefreáveis do tormento receberam matizes cruéis. A cornucópia de sua consternação transbordou Se Enéias ao se recordar das desgraças que se abateram um dia sobre Tróia e ao se lembrar de Laocoonte e seus dois filhos estrangulados por insidiosa serpente, ao rememorar a imagem do pai querido, Anquises, por ele carregado para escapar ao incêndio da cidade e a perda da dileta Creusa, sua esposa, exclama que um cruel terror dele se apoderou; se Resfa, deitada junto aos corpos exânimes de seus filhos entregues à vingança dos Gabaonitas, estampava na fisionomia quão sofridos são estes instantes nos quais a desgraça de um filho vem reunir-se à visão do doloroso fato para despedaçar o coração da mãe (2 Sm 21,10); se o velho patriarca de Betel, Jacó, ao contemplar a túnica ensangüentada de José clamou que não tinha força bastante para suportar tamanha dor: se o príncipe da Iduméia, o celebrado Jó, modelo de tolerância e paciência, aceitou todas as perdas de seus fabulosos bens, nem caso fez da terrível enfermidade que lhe ulcerou o corpo, mas ao lhe notificarem a desgraça dos filhos, enlutou-se o seu coração e ele rasgou de pesar o seu vestido; se grande foi o desespero de Eva, contemplando seu filho Abel, morto por outro filho seu Caim e os gemidos de sua imensa dor ecoavam flébeis pelas solidões ainda despovoadas do mundo nascente; que esforço não foi preciso ao terníssimo coração de Maria para ver não em sonhos, para escutar não uma notícia, para vislubrar não apenas vestes tintas de sangue, mas para contemplar à luz meridiana do dia e em toda sua cruenta realidade o mais adorável e adorado dos filhos, delícia inefável de sua alma, oprimido imanissímamente na mais pungente amargura, desfigurado, chagado, ultrajado, vilipendiado, ferido, dilacerado, maltratado, desprezado, humilhado. Ei-la aí reduzida a carpir o Filho vítima da ingratidão mais injustificável, da insensibilidade mais insensata, do ódio mais ferino, do suplício mais desapiedado, da humilhação mais truculenta, da aleivosia mais desalmada. Inimaginável realidade só acreditável porque está aí viva, palpitante, amara, dorida em toda sua desabrida acritude. Maria viu o seu divino filho entregue à sanha desenfreada de seus inimigos e nada pôde fazer! Seus olhos não puderam se afastar de tão lúgubre espetáculo. Ela contemplou todo aquele quadro horrível, todas aquelas injúrias feitas ao filho que agonizava em lento e acre tormento e foi obrigada a presenciar cena tão horrenda. Ditosa foi a Mãe da narrativa eslava que caiu fulminada de dor ao lhe matarem os filhos. Maria teve que padecer, que sofrer mirando o sofrimento infindo de seu amado Jesus. Tudo isto porque logo depois aos pés da Cruz, lá no Gólgota, ela se tornaria a Co-Redentora da humanidade, a Mãe espiritual dos redimidos pela Paixão de seu divino Filho e por sua admirável Compaixão! Saibamos amar aqueles que tanto sofreram por nós, mas amor manifestado não apenas com palavras, mas, sobretudo, com uma vida santa, valorizando tanto sofrimento. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
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