quarta-feira, 23 de junho de 2010

O ASCETISMO CRISTÃO

O ASCETISMO CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A ascética é uma disciplina de vida que leva à efetiva realização da virtude, à plenitude da vida moral. É o caminho para uma grande espiritualidade. Busca da purificação interior por meio de uma austeridade equilibrada e uma rigorosa renúncia ao prazer pelo prazer, refreando com decisão os impulsos meramente terrenos. Trata-se do hábito de se preescindir das paixões. Eis porque São Paulo aconselhou: “Mortificai, vossos corpos” (Cl 3,5). Nem sempre a conduta humana é racional e boa e a busca dos valores exige o exercício da vontade. A mortificação cristã tem por fim neutralizar as influências malignas que o pecado original ainda exerce nas almas, inclusive depois que o batismo as regenerou. Nossa regeneração em Cristo, ainda que tenha apagado a mancha do pecado em nós, nos deixa, sem embargo, muito longe da retidão e da paz originais. O Concílio de Trento reconhece que a concupiscência, ou seja, o tríplice apetite da carne, dos olhos e do orgulho, se deixa sentir em nós, inclusive depois do batismo, afim de excitar-nos às gloriosas lutas da vida cristã. Até os pagãos percebiam esta dicotomia interior do homem e o poeta Ovídio, por exemplo, assim se expressou: “Enxergo as coisas boas e as aprovo: sigo, porém, as piores”. Lemos no Livro de Jó: “A vida do homem sobre a terra é uma contínua luta (Jó 7,1). O Apóstolo explicou bem isto: “A carne pugna contra o espírito e o espírito contra a carne (Gl 5,17). Cumpre então mortificar os apetites desordenados que nascem da natureza corrompida e renunciar ao amor delirante das riquezas, das honras, dos prazeres. É preciso também moderar as paixões humanas segundo os ditames da razão e a do Decálogo, submetendo a parte inferior do ser humano à superior, a natureza à graça, o homem ao Criador, a razão à fé. A mortificação cristã tem o magnífico objetivo de fazer crescer a vida sobrenatural e jamais pode ser vista como uma mutilação, pois, pelo contrário, engrandece o cristão e o leva a curtir muito melhor a vida, dado que leva àquele meio termo que traz equilíbrio psicossomático. Atinge-se então a ordem hierárquica entre as faculdades humanas. Trata-se de uma renúncia medicinal para melhor possuir os bem espirituais sem deixar de usufruir de tudo de belo e bom que Deus colocou neste mundo. O discípulo de Cristo que se entrega à disciplina da vontade se difere inteiramente do epígono da Escola Estóica, pois jamais procura a renúncia pela renúncia, mas a utiliza na ótica da prática das virtudes. Faz, por exemplo, morrer a gula para se exercitar no comedimento, mas jamais se entrega a um regime exagerado prejudicial à saúde, pois sabe que a vida é um dom precioso de Deus. Em síntese, o batizado se mortifica para fazer viver nele Cristo. Deste modo a vontade renuncia ao apego dos bens exteriores que podem obstar a caminhada rumo à santidade, à ordem sobrenatural. Tal posicionamento significa uma abnegação ou negação daquilo que é contrário ao amor ordenado de si mesmo. Os desejos, as aspirações se tornam inteiramente legítimas, de acordo com a vontade de Deus. É neste sentido que Jesus aconselhou: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo” (Lc 9,23). Há, desta forma, um desapego dos bens materiais que são vistos apenas como instrumentos doados pelo Ser Supremo para se fazer o bem e manter a sobrevivência nesta terra. O Mestre divino afirmou: “Quem não renuncia a tudo que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33) e o seu seguidor não se apega ao que tem e está sempre satisfeito com o lugar onde o colocou a Providência divina. Trabalha, tenta prosperar, mas sempre visando ajudar os outros nunca se esquecendo das obras sociais da Igreja. Dentro desta perspectiva na ascese cristã ganha importância capital a crucifixão da carne e de suas concupiscências numa total adesão à lei evangélica. É o que falou São Paulo: “Os que são de Cristo crucificaram sua carne com seus vícios e concupiscências” (Gl 5,24). É o despojar do homem velho para se revestir do homem novo que é Cristo (Cl 3,9). É que a vida do cristão está escondida com Jesus em Deus (Cl 3,3). Em suma, a ascese cristã modera, reprime, ordena, orienta todo o ser humano externo e interno para Deus por motivos sobrenaturais. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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