quarta-feira, 23 de junho de 2010

GRANDE DOR DE MARIA NA RUA DA AMARGURA

GRANDE DOR DE MARIA NA RUA DA AMARGURA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Considerar pormenores da dor de Maria na Rua da Amargura é de suma importância para que se valorize ainda mais o processo salvífico no qual ela esteve tão intimamente unida. A dor de Maria no encontro com Jesus foi, realmente, terrível. Embora ela a previsse, pois tivera notícia dele há trinta e três anos no vaticínio de Semeão, entretanto, a visão daquela cena lhe foi muito mais trágica. Aquele foi o contemplar pela primeira vez o seu dileto Filho inteiramente transfigurado. A realidade alterosa ultrapassava agora a grandeza e graveza de seus temores. Então estes lhe causaram mágoa, a mágoa se lhe fez angústia, a angústia se lhe transmutou em agonia, a agonia se metamorfoseou em ânsia extrema a lhe despedaçar a alma em violentíssima amargura. Semelhante ao vulcão em brasa, cujas lavas candentes alargam a cratera, revolvendo, alargando, devastando, devorando, arrasando tudo por onde jorra seu impetuoso curso, o fogo vivo da dor ateado pela força ígnea do amor, irrompendo em línguas ardentes do coração de Maria, dobrou as barreiras e levou esta mãe, assim martirizada, aos extremos limites do padecer humano. Que mãe ao vislumbrar o filho banhado em sangue e com tantas feridas, membros lacerados, não veria partido de tortura o seu espírito? Maria contemplou, deste modo, o seu Jesus e daí a profundidade de seu sofrer. Podemos percorrer a história da humanidade, esmiuçar todos os arcanos dos crimes, vasculhar todas as tragédias de que tem sido palco o mundo, não se encontra mãe alguma que sofresse tanto como Maria na Rua da Amargura. Mãe alguma suportaria tais flagícios, tão fragueiros, imaníssimos, jamais albergou tamanhas amarguras ou se viu alçapremada a tão inúmeros e variados tormentos. Mãe alguma foi tão violentamente provada no seus sentimentos maternos mais sagrados Seu primeiro impulso foi correr até Jesus e lhe prestar todos os socorros que só um terno coração de mãe sabe prodigalizar, como limpar-lhe a face, pensar-lhe as feridas, levar-lhe fresca e cristalina água aos ressequidos lábios. Mãos violentas a impediram. Maria foi então penetrada dos mais penosos sentimentos que a envolveram em novas angústias as quais por pouco não lhe roubaram a vida. Contemplou novamente Jesus e outro incomensurável horror dela se apossou. O mundo jamais veria espetáculo igual. Maria percebeu que sua dor era causa de novos tormentos para o Filho. Ela estava sendo mais um cruel algoz a oprimir, a alanhar o conturbado espírito de Jesus. O Filho alarmou-se com o sofrer da mãe. A mãe agonizou alanceada com o padecer do Filho. Não houve jamais tragédia comparável à sua. Sofreu o coração dorido da mãe dentro do coração dorido do Filho. Padeceu o coração chagado do Filho no recesso amargurado do coração da Mãe. Que cair e ressoar de incessantes cascatas de dor! Reuniram-se todos os desares do Filho para despedaçar o coração da mãe. Agermanaram-se todos os pesares da mãe para fazer chegar ao ápice a amargura do Filho. À vista desta dramática situação a Mãe dolorosa arrostou de pé, de frente, a terribilíssima catástrofe. Impertérrita tudo suportou. Abismou-se, concentrou-se, confundiu-se no próprio martírio do Filho. Cravou-se na dor, retalhou-se na dor, estalou na dor, mas não sucumbiu à dor! Naquele instante cruel, em plena Rua da Amargura, qual dos dois sofreu mais, o Filho ou a Mãe? O Filho martirizado no corpo ou a mãe crucificada na alma? O amargor de ambos foi imenso, como o mar em que cada onda de tristeza sobre outra ia se sobrepondo, todas quebrando naqueles lastimados corações. A dor de Maria que foi às raias do paroxismo era uniforme, porque sem fim; horrível, porque inexorável; ilacrimosa, porque intensíssima. Não teve o desafogo das lágrimas, nem o alívio dos queixumes. Maria contemplou Jesus extasiou-se na dor, depois tentou ir em seu auxílio, mas foi impedida e então reconcentrou-se na dor. Foi a dor da reflexão que é dor duplicada! Segundo Dante, o vidente genial, o pintor altíssimo de todos os sofrimentos humanos, as lágrimas que assomavam aos olhos de Maria refluíam no mesmo instante e não podendo banhar-lhe o rosto, nem evaporar-se nos ares, empedraram, granizaram naquele nobre coração. Naquela hora angustiosa e naquele trágico lugar caberiam, realmente a Maria estas palavras do profeta Jeremias : “Vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede: Há dor como a minha dor?” (Lm 1,12). Com este profeta poderíamos repetir: “A quem te comparar? Quem te assemelhar, filha de Jerusalém?” (Lm 2,13). Com Jeremias podemos na imensidão do oceano achar uma semelhança para o sofrer de Maria: “Grande como o mar é teu desastre: quem te curará?”(Lm 2,13). Impedida de chegar até o Filho, se aturdiu assim a mãe sofredora, pois grande era a alogia daquele acontecimento. Como, de fato, tudo está mudado! Ontem era a alegria, a euforia, os sorrisos do menino, as aclamações do povo. Naquele momento só sombras! Maria se lembrou dos instantes venturosos de Belém, das horas jubilosas no Egito. Lá, apesar da pobreza em que vivia, tudo podia fazer pelo Filho. Agora nada por Ele lhe era dado realizar! Quantos cristãos diante da mais pequenina tribulação se revoltam contra Deus! Aprendamos, porém, com Maria a suportar com paciência as tribulações que a Providência nos envia. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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