O PAUPERISMO E OUTRAS QUESTÕES SOCIAIS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Pauperismo quer dizer não só a privação transitória ou persistente do que é preciso para o justo e indispensável lazer, mas, no seu auge, é a privação do necessário, do indispensável à existência. É um mal horrípilo, composto híbrido, mescla de padecimentos físicos e degradações morais que destroça, como tumor maligno, as entranhas do organismo social, praga assombrosa, epidemia terrível, morféia medonha, que deforma e deslustra a face luzidia de nossa civilização, moléstia mortal que ofusca o progresso atingido por nossa geração.
Ora, os males de uma sociedade curam-se como as feridas de um corpo, debelam-se, cortando-as em suas raízes. Célebre o axioma filosófico: sublata causa, tollitur effectus - tirada a causa, afasta-se o efeito. Nisto, exatamente, está o valor, o primor, o prestígio da doutrina do Evangelho sobre o amor ao próximo. Ela por sua própria índole, reage energicamente, abertamente, implacavelmente contra as causas que têm produzido tamanha desventura. Ela, como terapêutica divina, medica, sara, infalivelmente, o doloroso mal do pauperismo, pois suscita medidas salutares de combate à miséria sob a ação de um amor intenso.
É que o amor social é uma arma poderosíssima para o combate ao desamor ao trabalho, à rejeição da economia pessoal e à impassibilidade do egoísmo. Três grandes vícios a que são levadas as pessoas incautas ou que se deixam conduzir pela inércia pessoal. Transporta à decisiva dedicação ao trabalho, que é fonte dos recursos para tudo que é preciso para a subsistência humana. Inspira à consciência de todos o nobre sentimento da parcimônia no gastar, que é a fonte do bem estar. Desenvolve nos corações a paixão das ofertas voluntárias e generosas que são todo o arrimo e toda a esperança dos pobres.
Em síntese, só o homem que pode trabalhar e trabalha, produzindo quanto está ao seu alcance, e poupa, economizando quanto pode, e apesar de tanto labor e tanta economia, se viu, por circunstâncias inevitáveis, no abismo da miséria, apenas esse indivíduo é digno do auxílio da caridade. Com efeito, se assim não fosse, a caridade estaria inteiramente desvirtuada e seria até condenável, porque poria a pobreza honrada em igualdade de condições com a mendicidade execrável. Neste caso, guiados por ela estaríamos errados, completamente enganados, sustentando com as nossas dádivas o vício que merece ser castigado, em vez de socorrermos quem merece ser ajudado, amparado.
O amor social incentiva, assim, o empenho honesto ao trabalho, fonte do ganho necessário à vida, e o desejo de economizar, meio seguro para se escapar à penúria. O trabalho é a soberana condição da posse de bens sem os quais não se pode viver, como a economia é a garantia do futuro, sobretudo para a hora trágica da doença e da velhice. Quem trabalha, mas não é moderado nos gastos, e não quer no presente, olhar o porvir, nem sabe extrair do dia de hoje a provisão do futuro, tudo quanto se faça em seu favor é insuficiente. Mais cedo ou mais tarde, a desgraça chegará em sua casa, revestindo-o de andrajos e deixando-o, com sua família, acabrunhado, alquebrado, combalido num lar desmoronado. Muitas vezes, em tal situação deprimente, o imprevidente vai afogar na bebida ou nas drogas as amarguras de tal penúria, vendo-se envolto em trevas profundas. Bem diferente é a situação do homem laborioso, mas que se torna vítima de alguma infelicidade. Honesto, mas, de repente, se viu numa desgraça. Virtuoso, mas foi surpreendido por uma fatalidade. Este é digno de toda a ajuda, tem o direito de ser amparado pelo Estado, pelas Entidades filantrópicas, pela caridade de seus amigos. É merecedor da proteção e por ele tudo se deve fazer. Brilhe e rebrilhe então o verdadeiro amor cristão que sabe discernir maravilhosamente quem, de fato, deve ser socorrido para poder, reabilitado, muito contribuir para a sociedade, sem um assistencialismo espúrio.
*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
segunda-feira, 8 de março de 2010
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