sábado, 12 de dezembro de 2009

UM ALERTA DO DESERTO

UM ALERTA DO DESERTO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na preparação para o Natal cumpre escutar a voz de João Batista que vem do deserto (Lc 3,1-6). O cerne da pregação do Precursor está contida na frase do Profeta Isaías que ele repete com notável força a seus contemporâneos e a todos os demais seguidores de Jesus: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas”. Jerusalém era uma cidade cercada pelo deserto e a este os caminhos de acesso penosamente traçados eram com facilidade extintos pelo pó trazido pelo vento e a oeste eles se perdiam entre as asperezas do terreno que descia rumo ao mar. Quando uma caravana ou uma pessoa importante devia chegar à cidade, era preciso ir ao deserto traçar uma rota que facilitasse a caminhada. Cortavam-se as urzes, os abrolhos, ou seja todas as plantas rasteiras e espinhosas. Cobria-se qualquer abatimento do solo. Retirava-se qualquer obstáculo. Isto era feito, por exemplo, por ocasião da festa da Páscoa para acolher os peregrinos que chegavam da diáspora, isto é, os judeus que estavam dispersos em outras regiões. João Batista, poeticamente, se inspira em tudo isto e alerta que um personagem muito importante vai chegar e cumpre organizar com toda perfeição a vereda para sua passagem. É necessário então passar da metáfora para a realidade, numa preparação cuidadosa do coração. Trata-se de uma conversão total que é uma tarefa mais árdua do que traçar caminhos no deserto. Cada um, com efeito, está muitas vezes fechado em si mesmo, no seu egoísmo. Há no mais profundo da consciência pontos obscuros que precisam ser iluminados. É preciso encher o vale da baixa estima, da insegurança, da indecisão, da depressão, das omissões. A montanha do orgulho, da empáfia, da vaidade, da hipocrisia, deve ser abaixada. As passagens tortuosas dos apegos às ilusões terrenas, da impudicícia, da embriaguez, da superficialidade devem ser endireitadas, bem como as trilhas acidentadas pela falta de amor, por força da indolência, da violência, da injustiça, do rancor precisam ser aplainadas. Apenas assim se conhecerá a salvação que Deus oferece através do Verbo Encarnado. Para isto não faltarão as graças divinas, desde que se abram as portas interiores para sinceramente as receber e fazer frutificar. Cumpre favorecer a ação do Espírito Santo nesta sua tarefa de santificação, de purificação até o Presépio. O deserto no qual vivia o Batista é o lugar do despojamento e da verdade pessoal com a metanóia necessária que é a mudança dos sentimentos, das atitudes, das disposições, do modo de pensar e da maneira de agir. Passagem da falta de coragem, de energia para a esperança; do apego ao mundo para a adesão às realidades eternas, das atitudes esclerosadas para um agir constante, a fim de que triunfem as virtudes e não os vícios. É preciso uma decisão corajosa para que não se passe simplesmente pelo Natal, mas para que o Natal marque definitivamente a vida espiritual de cada um. Pugna decidida contra a letargia. Para que tudo isto aconteça é necessário ir ao deserto. Não o deserto geográfico, mas ao recolhimento no íntimo de si mesmo. É lá que Deus faz entender sua palavra, suas mensagens. Aí se chega ao essencial numa total volta para o Ser Supremo. No mundo se depara o indiferentismo para com o Criador, dentro de si cada um contempla a Trindade que aí habita e convida a receber com alegria as graças natalinas. Eis o momento propício para se experimentar as coisas do céu .numa comunhão inefável com o Senhor que quer salvar. Então cada um estará apto a testemunhar como Jesus é bom, penetrando o mistério desta katábase admirável que é a descida do Verbo divino até este mundo, fato realmente revivido pela Liturgia. A missão de cada cristão é a mesma de João Batista, advertindo a quantos estão em seu derredor que o Natal precisa ser vivido intensamente com o foco num presépio e não nas vaidades mundanas. Este é o tempo da paz, da confraternização das famílias, mas longe das distorções do mundo capitalista, materialista, dissociado de Deus, mundo que ignora “o som do silêncio”. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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