sábado, 12 de dezembro de 2009

A ESSÊNCIA DA RENÚNCIA CRISTÃ

A ESSÊNCIA DA RENÚNCIA CRISTÃ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Dentre os ensinamentos de Cristo merece especial atenção o seguinte: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Estas palavras merecem uma profunda análise e foram inúmeros os Mestres espirituais que abordaram com pertinência este tema. Para se chegar a uma união íntima com Deus o cristão deve despojar-se de todo apego às criaturas. Eis a sentença de São João da Cruz: “O verdadeiro amor consiste no abandono de tudo o que não é Deus”. Trata-se de uma imersão total no Sumo Bem, excluindo-se o que, ainda de longe, pudesse impedir a adesão completa ao Ser Supremo. Isto inclui, evidentemente, um processo de mortificação da vontade mediante a qual todo o espaço vital fica preenchido pelo Criador, não se deixando brecha alguma às veleidades terrenas. Para atingir este ideal é imprescindível uma fé abrangente nas verdades eternas, a esperança segura de poder na hora da morte estar para sempre com o Transcendente e um amor a Deus irradiante que enfronha todos os pensamentos, todos os gestos, todas as atitudes, de maneira que tudo que se pratica no mundo material passa a ser feito exclusivamente em função da vontade divina. Foi o que aconselhou São Paulo: “Sejamos revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação” (1 Ts 5,8). O cristão então se move unicamente sob o influxo da graça e daí resulta uma purificação ininterrupta, custosa, mas conducente a um progresso cada vez maior na prática de todas as virtudes. Modelo completo da renúncia foi o próprio Mestre Jesus Cristo que no auge de sua agonia no Horto das Oliveiras pôde assim orar: “Meu pai, se é possível, passe de mim este cálice; contudo não se faça como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26,39). Sob o ponto de vista humano Ele queria que aquele cálice de dor não lhe fosse dado a beber, mas, dando o exemplo prático do despojamento por Ele pregado, estava disposto a ir até o fim na obra salvadora traçada desde toda a eternidade. Eis por que aquele que se matricula da escola do Filho de Deus procura não se apegar aos bens exteriores e nem, até mesmo, aos bens interiores, neste sentido de que se fosse preciso para glorificar a Deus conhecer o radical aniquilamento a alma estaria disposta a tanto. Quem assim procede entrega ao Senhor Onipotente tudo que possui para que Ele disto disponha como o quiser. O que está em seu derredor, que é sempre visto como um dom recebido do Altíssimo, só passa a ter razão de ser se contribui efetivamente para a glorificação da Trindade Santa. Deste modo não há o menoscabo pelo que se recebeu de Deus, mas reina um desprendimento que é resultado da dileção para com o Doador de todas as benesses. Evidentemente que quem assim procede antes já se desapegou inteiramente de qualquer pecado que é exatamente a negação do amor. Neste caso até mesmo as faltas veniais são evitadas sobretudo os defeitos dominantes aos quais cada um fica sempre sujeito. Foi o que disse o Apóstolo aos Romanos: “Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 12,13). Aos Colossenses ele traçou o caminho da perfeição: “Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimentos de compaixão, de bondade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos mutuamente, se alguém tem motivo de queixa contra o outro” (Cl 3,12-13. Quem assim procede conhece então a liberdade interior. Esta consiste no domínio sereno dos vícios. Desta maneira, o Espírito Santo passa a operar dentro do cristão, dando-lhe o discernimento de cada ato a ser praticado ou omitido, chegando-se à identificação com Cristo. Dá-se o que aconteceu com São Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20), pois tudo passa a ser feito em sintonia com o Redentor. Chega-se então ao máximo da disponibilidade tanto para com Deus como para com os outros. A existência do cristão é deste modo vivida de acordo com o binômio conhecimento e amor. Quem ama profundamente a Deus cresce no seu conhecimento e quanto maior é este conhecimento maior se torna a dileção, pois quem ama conhece e quem conhece ama e tanto o amor quanto o conhecimento introduzem o cristão na libertação interior, enquanto esta se abre para o conhecimento e para o amor, indo desembocar no justo amor fraterno, como explicou São João (1 Jo, 4,20). Eis aí os páramos felizes para onde leva a renúncia preconizada por Cristo! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

Um comentário:

  1. eu, Edson de Carvalho Araújo abri, pela primeira vez, este blog. Vou ler os textos do Cônego Vidigal.

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