quinta-feira, 4 de junho de 2009

RECURSOS LINGUÍSTICOS

RECURSOS LINGUÍSTICOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Urge uma cruzada sagrada a ser empreendida a favor do culto dos clássicos de nossa Língua. A leitura deles alimenta o espírito, apura o estilo, forma a mentalidade. Ramalho Ortigão dá o motivo: “os grandes livros não se produzem senão quando as grandes idéias agitam o mundo, quando os povos praticam os grandes feitos, quando os poetas recebem da sociedade as grandes comoções”. Os Lusíadas. São obras que gozam de longevidade secular. Bibliônimos famosos que fascinam a humanidade através dos tempos. Aliás, o Pe. Vieira já escrevera que “são os livros os mestres mudos que ensinam sem fastio, falam a verdade sem respeito, repreendem sem pejo, amigos verdadeiros, conselheiros singelos; e assim como à força de tratar com pessoas honestas e virtuosas se adquirem, insensivelmente, os seus hábitos e costumes, também à força de ler os livros se aprende a doutrina que eles ensinam”.
Este benéfico contato com os clássicos torna mais variado o vocabulário. A idéia aflora pela palavra e esta deve fazer fulgir com retidão a idéia. A uma concepção profunda é mister esteja correlato um termo exato no momento preciso. É que “a palavra acompanha a idéia como o corpo a alma e a força o movimento”.
Além do mais, como já ensinava Aristóteles, a harmonia e o ritmo fazem parte da nossa natureza, isto é, “correspondem a uma disposição psíquica natural do homem”. Ora, o conhecimento dos vocábulos, dos quais as línguas neolatinas são tão abundantes, é de suma utilidade para se dar às frases aquela musicalidade que deleita, fazendo-a sonora e atraente, sem a repetição monótona das mesmas dicções ou a impropriedade de sons que não harmonizam e impedem a cadência que embevece.
Para uma revalorização da Língua Pátria cumpre também o cultivo da análise sintática. Como demonstra com sua autoridade de mestre o Cônego Mendes Barros, “é ela necessária e indispensável para a compreensão, a exegese de trechos difíceis, para o conhecimento da estrutura da língua, para o estudo frutuoso da sintaxe e, sobretudo, para que se tenha certeza da correção daquilo que se escreve”.
Nem sempre, porém, se cultuam a língua e a literatura, porque se oblitera o lado filosófico da linguagem. Não se faz a filosofia da linguagem. Esta é uma faculdade própria dos seres racionais pela qual podem comunicar entre si e patentear seus pensamentos por meio de sinais que, eventualmente, podem ser transcritos.
Heidegger nota que o ser humano é aquele que testemunha o que ele é. Testemunhar é revelar e responder. Ora, isto é, na sua concepção mais real, fazer chegar ao outro seu mundo íntimo. Há uma consciência de algo existente que se evidencia. Daí, o existente que pensa ser histórico. Eis suas palavras textuais: “para que uma História seja possível, é preciso que a linguagem seja dada ao homem. A linguagem é um bem do homem11. Entretanto, afirma Heidegger, a linguagem é “o bem mais perigoso. O perigo de todos os perigos, porque é ela que começa por criar a possibilidade de um perigo”. É que, explica Heidegger, “pela linguagem pode se exprimir o que há de mais puro e mais escondido e também o confuso e o comum”. Ele diz ainda: “A palavra, enquanto palavra, não se apresenta, pois, nunca, imediatamente, com a garantia que seja uma palavra essencial ou, pelo contrário, um vazio sonoro. Aliás, uma palavra essencial tem freqüentemente a aparência, na sua simplicidade, de ser algo não essencial”. Entretanto, na opinião heideggeriana a linguagem é um bem, pois “lá somente onde há uma linguagem, há um mundo... e lá, apenas, onde há um mundo, há a história”. Sem a apreensão desta essência da linguagem é impossível o bom uso da língua e, com mais forte razão, o apreço pela literatura. Com efeito, só se pode valorizar a língua enquanto ela surge como um instrumento para a comunicação. A literatura terá, de fato, cabimento enquanto abrir aos outros, através da língua, aquela casa interior, espaço imenso dentro de cada um, extraordinário mundo fenomenológico, cuja riqueza nunca será desvendada plenamente, mas que pode ser entrevista e exteriorizada. Então, sim, a linguagem será “âmbar em que ficaram incrustadas e preservadas mil idéias preciosas e sutis”16. Neste caso, se poderá, verdadeiramente dizer que a “língua é um templo, no qual está reclusa, como em um relicário, a alma de quem fala”, porque estará sendo o veículo daquela misteriosa região íntima de cada um. Os antigos diziam: oratio vultus animi est a linguagem é o reflexo da alma. Assim, ontologicamente, a linguagem não se confunde com a língua. Com muita propriedade Márcio Tavares d’Amaral afirma que “é da linguagem que a língua recebe por uma delegação que se transmite do plano ontológico ao plano ôntico e cuja notícia, por isso mesmo se perde o poder de significar... Segue-se, então, que não é a língua que significa, embora seja ela o agente da significação; quem significa é a linguagem”. Daí, portanto, o mérito da línguagem, pois, se ela é um mau agente, nada estará significado.
* Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário