quarta-feira, 3 de junho de 2009

A QUESTÃO DA PERFEIÇÃO

A QUESTÃO DA PERFEIÇÃO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Os cristãos receberam um mandamento de Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48), famosa passagem do Sermão da Montanha. Em grego, a palavra perfeito se refere à maturidade. Esta maturidade que Deus exige do ser racional não se situa no campo da moralidade, mas na do amor pelos outros. Neste contexto, ser madura significa amar a todos como Deus os ama. Cristo deu a prova definitiva desta dileção sem limites, mormente no Gólgota, suportando, pacientemente, as injúrias de seus inimigos e, de coração, os perdoando. Trata-se, portanto, de partilhar a vida divina e, segundo São João, “Deus é amor” (1 Jo 4,7). O discípulo predileto de Jesus completa, mostrando que “quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele (1 Jo 4,16). O amor, o autêntico amor desinteressado e puro, não reprimido, tem sua fonte no Ser Supremo. A perfeição consiste em possuir o espírito de caridade ou de amor fraterno que é comunicado por Deus. Santo Agostinho entendeu isto perfeitamente quando afirmou: “Ama e faze o que quiseres”, pois a conduta ética é decorrência desta imersão no oceano infinito da afeição eterna que existe no seio da Trindade desde toda a eternidade. Eis por que o que caracteriza o verdadeiro cristão não é tanto a boa conduta, mas sua semelhança com Deus. Se o Espírito de Deus transforma o ser interior as virtudes brotarão naturalmente como conseqüência. A vida de Deus no cristão é a vida de Deus mesmo e não a vida humana que se esforça para chegar até Deus. O segredo da alma cristã é que sua vida se torne sobrenatural pela graça divina. Isto só é possível na comunhão com Deus, refletindo tal postura em todos os detalhes da vida cotidiana. Então, sim, ainda que venham turbulências, o cristão permanece na serenidade, na tranqüilidade, na imperturbabilidade por estar unido profundamente ao Criador de tudo. Portanto, muitas vezes o foco das palavras de Cristo atinentes à perfeição é deslocado de plano, transferido para a prática das virtudes, quando esta prática deverá ser o resultado de uma atitude madura de quem ama como Deus ama. Isabel da Santíssima Trindade deixou uma reflexão profunda sobre as aludidas palavras de Cristo e mostrou como é na união íntima com a divindade que o ser racional encontra sua verdadeira unidade interior que lhe confere tal segurança da qual resulta todo equilíbrio que impede não apenas de se apegar ao efêmero deste mundo, como ainda leva a lidar com os outros com aquela amabilidade que reina na Trindade Santa. Diz ela que cumpre “viver como o Pai num eterno presente, sem antes, sem depois, mais inteiramente na unidade, num agora eterno!”.Todo egoísmo fica banido, afastado. Quem procura esta perfeição se liberta de seus maus desejos, não se importa com alegrias e dores, nada teme e, deste modo, irradia paz, ventura em seu derredor. De fato, a perfeição a que o epígono de Cristo é chamado é a perfeição do amor. Tal a interpretação magnífica de São Paulo que aconselhava aos colossenses: “ Revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3,14). Aos romanos ele determinava: “ Não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor uns para com os outros, pois quem ama o próximo cumpriu a lei” (Rm 13,8). Aí está o motivo pelo qual São Lucas, na passagem paralela à de Mateus, usou o termo “misericordioso” no lugar de perfeito: “Sede misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso” (Lc 6,36). Assim sendo, os seguidores de Cristo têm que progredir, que crescer no conhecimento e no amor (Fl 1,9). A maturidade a que se refere então a ordem do Mestre divino conduz ao que o Apóstolo disse aos Efésios, a saber, que o ideal é chegar a constituir o Homem perfeito na força da idade que realiza a plenitude de Cristo (Ef. 4,13). Estas reflexões convidam a aprofundar o surpreendente preceito de Jesus que se liga à ordem dada pelo Ser Supremo no Antigo Testamento: “Sede santos, porque Eu sou Santo” (Lv 11,45). * Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008.

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