segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
PLANEJAMENTO ESPIRITUAL PARA 2016
PLANEJAMENTO ESPIRITUAL PARA 2016
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O início de um novo ano oferece a muitos o desejo de ter uma planilha espiritual que seja um roteiro seguro para corresponder totalmente aos desígnios de Deus. O importante é que cada um estabeleça itens essenciais, válidos para qualquer cristão. O primeiro deles deve ser o propósito sincero de evitar o pecado e as ocasiões de pecado. Feliz será aquele que durante todo o ano apenas usar os meios de comunicação social para o progresso intelectual, riscando de sua agenda todos os programas inúteis e, sobretudo, os que conduzem diretamente ao desprezo de um dez mandamentos. Sites pornográficos, novelas licenciosas e semelhantes. A Bíblia não deixa dúvida alguma: “Quem ama o perigo nele perecerá” (Ecl 3,27). O Papa Pio XII num de suas encíclicas lembrou a recomendação de Santo Agostinho: “Não digais que tendes almas puras, se tendes olhos impuros, porque os olhos impuros são mensageiros dum coração impuro”. Arrependimentos inevitáveis acometem mesmo os que não têm fé e que se deixam levar pelo espírito maligno. A pior escravidão é a dos vícios, pois os maus intentos são insaciáveis. Nada mais saudável do que uma consciência limpa diante de Deus. Júbilo intenso possui quem vence as insídias diabólicas. Além disto, cumpre domar as paixões e modelar-lhes os desejos. Como bem escreveu o Pe. Grou, é necessário “guardar prudentemente todas as avenidas do próprio coração”. Isto supõe uma vigilância contínua, pois “males se cortam pela raiz”. Ceder às paixões é cair na armadilha da pior dos tiranos. É preciso também higienizar a mente através de pensamentos elevados, voltados não para as veleidades terrenas, mas para as realidades eternas. Para isto a leitura da Bíblia é indispensável, bem como a reflexão sobre textos que alimentem o espírito e não favoreçam a materialidade. Adite-se que durante o ano a Providência disporá os acontecimentos e há necessidade de fazer em tudo a vontade divina que visa o bem de cada um. Na prece contínua o discípulo de Cristo deparará a força para se conformar com os planos do Criador e isto com muita disposição interior. É incontestável, porém, que um Ano Novo feliz só acontecerá para os que se dispuserem a seguir um roteiro que assim o espiritualize. Este longe de se ver frustrado, ao contrário, usufruirá da vida em plenitude. Terá olhos para ver as maravilhas que Deus oferece àqueles o temem e amam. Com efeito, todo esforço na busca da libertação interior leva a uma ulterior convicção de fé, dado que somente a graça pode curar as sequelas do pecado original. Percebe-se então como é bom viver na harmonia da paz da consciência. A tenacidade para vencer os contrastes existentes em cada um resulta numa gratificante beatitude, impossível aos que se entregam à depravação longe de Deus. O teólogo Tullo Goffi alertou que “nossa vida é tecida de antinomias, de contrastes, de oposições, desequilíbrios”. São Paulo já havia dito: “Deparo em mim com esta lei querendo eu fazer o bem, o mal já está junto de mim. De fato, eu me comprazo na lei de Deus, de acordo com o homem interior, mas vejo nos meus membros outra lei a lutar contra a lei da minha razão e me faz escravo da lei do pecado que se encontra nos meus membros” (Rm 7, 21-21). Entretanto, com a graça de Deus o esforço fica coroado de êxito, prevalecendo este homem interior, como aconteceu com o Apóstolo. Resulta também a libertação das antinomias, uma que, tendo conhecimento do mal enraizado nas profundezas do ser humano, se pode atingir o equilíbrio, o autocontrole,. Trata-se de uma luta contínua que só termina após deixarmos este mundo. Por isto todo empenho é necessário num combate com heroica tenacidade para vencer os contrastes existentes dentro de cada um. O cristão é chamado a realizar esta tarefa exercendo uma interioridade pessoal virtuosa. O Ano Novo só será feliz se houver esta disposição realizadora. Daí uma confiança absoluta na proteção divina, pois a ação humana não pode frutificar em boas obras sem ajuda de Deus. É uma ação conjunta, ou seja, a cooperação pessoal e a ação poderosa vinda do Alto. Santo Agostinho sintetizou esta realidade numa sentença luminosa: “Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem tí”. Deste modo cada um pode se tornar através do transcorrer de 2016 uma árvore que produz flores e frutos, beatificando a si mesmo e aos outros. * Professor no seminário de Mariana durante 40 anos.
SIGNIFICADO DO BATISMO DE JESUS
SIGNIFICADO DO BATISMO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O Batismo de Jesus no rio Jordão suscitou por parte dos intérpretes da Sagrada Escritura diversas interpretações teológicas. O Filho de Deus não necessitava evidentemente de nenhuma purificação e o próprio João Batista declarou que não era digno de Lhe desatar as correias de suas sandálias (Lc 3,16). O testemunho do Pai foi a prova definitiva, dado que, após o ritual joanino, se ouviu a voz do céu: “Tu és o meu Filho amado em ti eu comprazo” (Lc 3,22). Por que então Jesus quis receber o batismo? Como bem observou o exegeta Frei João Alexandre do Cordeiro, hoje os historiadores e hermeneutas consideram este fato como um argumento forte da historicidade de Jesus de Nazaré. O fato mesmo dos evangelistas terem transmitido esta narrativa mostra sua autenticidade e eles, inspirados pelo Espírito Santo, não suprimiram esta cena surpreendente. É de se notar que o Precursor mesmo teve que se submeter a uma verdadeira inversão de valores e o servo batizou o seu Senhor. Os desígnios divinos ultrapassam de muito os pensamentos humanos e, muitas vezes, jogam por terra nossos esquemas mentais arquitetados numa ótima terrena. Há necessidade de se estar atentos às inspirações divinas e ter a disponibilidade que teve o Batista ao se submeter aos planos de Deus. Mais tarde será São Pedro que ficará atônito ao ver Jesus a lavar-lhe os pés. Outro momento da manifestação da humildade do Redentor. Jesus foi sempre muito além das previsões de seus discípulos. No caso do Batismo de Cristo os maiores teólogos viram na descida de Jesus na água do Jordão a imagem viva de sua descida na morte ignominiosa na Cruz para salvação da humanidade. O seu batismo foi uma antecipação de sua Páscoa e de nossa redenção. Deus nos redimiu em se humilhando! O Batismo de Jesus recorda então o nosso Batismo, depois do qual cabe a cada um de nós a mesma palavra do Pai, pois somos seus filhos bem amados e nos batizados Ele se compraz. Ó imensa dignidade do cristão! Nem sempre se penetra fundo nesta gloriosa realidade. Graças ao sacramento do Batismo instituído por Cristo cada um de nós se tornou um predileto especial de Deus. Dom incomensurável! A conclusão é então óbvia, ou seja, os batizados devem se comportar como filhos e filhas do Senhor Onipotente. Viver o batismo significa se deixar guiar pelo Espírito Santo, pegar na mão de Jesus e caminhar no seu ritmo. Nem sempre cada um de nós compreenderá as maneiras de ser de Jesus, mas é necessário agir como Ele quer, adaptar-se a seus modos. Isto nos levará a mergulhar no seu amor e nos fará compreender a profundidade da vida cristã. As cruzes de cada hora se tornarão menos pesadas e espinhos se transformarão em pérolas para a eternidade. É preciso ser sempre agradecido a Deus pelo dom do nosso Batismo vivendo-o em plenitude. Curtindo a presença de Deus lá dentro da alma, sendo profetas de sua salvação e se comportando como membros de seu reino. Uma certeza inabalável de que o batizado é um cidadão do céu, destinado a uma glória imperecível na casa do Pai. Daí a alegria de se possuir os dons do Espírito Santo, de sermos irmãos de Jesus Cristo, filhos amados do Pai. Tudo isto é uma realidade faustosa consequência do nosso Batismo. No rio Jordão Jesus se humilhou para mostrar que seus seguidores deveriam seguir sempre a rota da humildade. Apenas assim se dá a verdadeira imersão neste rio de Amor que é o próprio Deus. Contemplamos hoje Jesus, o Salvador do mundo, batizado por São João Batista e nos recordamos do nosso Batismo. Jesus, porém, vem a nós não só pela água de seu Batismo hoje comemorado, não apenas pelo sacramento do Batismo que Ele instituiu, mas vem a cada cristão também pela água e sangue que jorraram no Calvário no alto de sua Cruz. Do Natal ao Cenáculo, do Batismo à Cruz é um rio de agua viva, ou seja, o próprio Espírito Santo que desceu sobre Cristo no Jordão, o qual nos garante a salvação pela morte glorificante que Jesus padeceria. Deste modo, festejando o Batismo de Cristo, contemplamos o Pai que nos salva ao enviar seu Filho Único ao mundo por causa de seu grande amor, dando-nos o Espírito vivificador e nos recordamos que tudo isto aconteceu para nós no dia venturoso do nosso Batismo que nos abriu as portas da nossa salvação eterna. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
EPIFANIA: O EXEMPLO DOS MAGOS
EPIFANIA: O EXEMPLO DOS MAGOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O texto do Evangelho de São Mateus (2,1-12) mostra como os Reis Magos foram um exemplo na pronta execução do chamado de Deus. Demonstraram uma magnífica disposição. Segundo os melhores comentaristas eles se achavam, dentro de seu mister, como bons astrônomos, observando o firmamento. Entregues a seu trabalho observaram um fenômeno maravilhoso, deslumbrante. Contemplaram uma estrela com brilho especial. Dedicados que eram a seu ofício, Deus os faria ver o significado daquele fato novo. Passaram a interpretar o sentido daquela aparição e perceberam que a estrela se movia e viram nisto um convite do céu para segui-la. Admirável a prontidão em seguir aquele apelo. Deixaram tudo e se puseram a caminhar seguindo aquele astro. Docilidade e solicitude que os levarão a um encontro marcante e inefável. Num caminho desconhecido não agiram segundo a prudência humana, mas, por certo, procederam segundo o dom do conselho divino. Mostraram como se deve proceder ante as inspirações vindas do Alto. Confiantes nas luzes recebidas, não lhes importou a dificuldade da empresa que lhes exigia todos os incômodos de um longo caminhar por estradas ínvias e ignotas. Uma fortaleza interior os movia e eles eram maleáveis a sua ação misteriosa. Estavam seguros que era a voz de Deus que lhes falava no fundo de suas almas. Uma impressão passageira e ilusória não os teria movido a tal empreendimento tão custoso a lhes exigir tanto sacrifício. Foram perseverantes, sobretudo quando lhes veio a provação mais cruel que foi o desaparecimento da estrela. Com paciência procuraram, porém, se informar onde nasceria o Rei dos Judeus. Os sábios de Jerusalém os encaminharam para Belém. Foram logo recompensados com o reaparecimento da estrela que os guiou seguramente e iluminou o seu caminho. São Mateus frisou o júbilo que deles se apossou: “Ao verem de novo a estrela sentiram grandíssima alegria!" (v 10). Deu-se então o final feliz, pois chegaram à casa onde estava Jesus com Maria sua mãe. Cena admirável ocorreu então. Eles reconheceram a realeza divina de Cristo e isto como justa recompensa pela disposição com que O procuraram e Lhe ofereceram ouro. Exaltaram também sua divindade, pois lhe ofertaram incenso e até prefiguraram o Messias sofredor ao lhe entregarem a mirra. Sempre atentos à voz de Deus, tendo recebido o aviso celestial, voltaram para sua pátria por outro caminho para evitar Herodes e seus maus intentos com relação a Jesus. Outra lição magnífica destes célebres personagens, pois a fuga do mal, das ocasiões perigosas deve sempre ser a atitude do verdadeiro cristão. Quantos, porém, se expõem ao pecado e, ao invés de procurar nos meios de comunicação social instrumento para se instruírem, maculam seus corações com tudo aquilo que diminui a fé e leva à devassidão. Novelas imorais, sites pornográficos e coisas semelhantes são o caminho que levam não a Jesus, mas a satanás. Desviam do céu e conduzem à condenação eterna. É preciso saber imitar os Reis Magos e evitar os Herodes malvados que querem matar Jesus dentro dos corações incautos na mídia e por toda parte. Adite-se que São Mateus ressaltou com ênfase: “Viram o Menino com Maria sua Mãe”. Para ver Jesus é preciso amar a Virgem Santa. São Bernardo ensinará: “Ad Jesum per Mariam” – vamos a Jesus através de Maria. Ela acolheu Jesus sem reservas e sua resposta ao Arcanjo Gabriel fez dela a Mãe de Deus. Por certo foi ela quem recebeu das mãos dos Magos os presentes que ofertaram a Cristo. Ela quer receber de todos o firme propósito de jamais se expor ao perigo do pecado e muito deseja de cada um o ouro do amor a seu Filho dileto, o incenso de orações feitas com atenção, contemplação e muito afeto, e a mirra do sacrifício de cada dia. Ela ensinará a seus súditos como serem fiéis ao grande Rei, adoradores do Filho do Eterno Pai, sempre unidos a Ele na sua imolação pela salvação do mundo. Foi por isto que Ela se faria presente lá no Calvário, ensinando-nos a participar dos sofrimentos de seu Filho. Sua presença na visita dos Reis Magos foi uma das etapas importantes de sua existência , pois ela levaria sempre os discípulos de seu Filho à plenitude da vida cristã. Como os Magos encontraremos sempre Jesus com Maria sua mãe * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
ANO NOVO, VELHOS PROBLEMAS
ANO NOVO, VELHOS PROBLEMAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho#*
Surge o Ano Novo de 2016, mas as perspectivas não são nada animadoras para o brasileiro. Diante de mais uma crise financeira, turbulência com reflexos por toda parte da nação, a inquietação toma conta do contexto atual e patenteia como são frágeis as estruturas econômicas e como é volátil a situação brasileira O presente transtorno na economia, comparado a um verdadeiro tsunami, já tem reflexos para a vida econômica de cada cidadão. As consequências funestas atingem prontamente sobretudo os que se encontram na base da pirâmide social, como sói sempre acontecer. No Brasil, segundo, alto e bom som, sem perceber as consequências desta crise, a Presidente da República e seus ministros da área econômica afirmam que o impacto este ano será menor, embora ninguém possa dimensionar exatamente o que está por vir. Há, sem dúvida, expectativa sombria de um crescimento econômico menor, menos emprego ainda e uma diminuição da renda pessoal, tornando-se mais débil o poder aquisitivo do real. Preços de alimentos têm subido. O governo continua ameaçando com novos impostos. Quebraram o país e querem que o povo pague a conta dos desequilíbrios governamentais. A incerteza bate à porta de cada cidadão. Resta apenas estar mais atento e cauteloso. Protestar é preciso e clamar: “Muda Brasil”! O certo é, contudo, que a situação atual precisa passar por funda reforma. Esta crise é o resultado dos excessos dos gastos desenfreados dos governantes. Nova mentalidade precisa ser instaurada. Abre-se, então, a oportunidade para se constituir polos públicos de desenvolvimento para financiar projetos consistentes que apoiem um crescimento em longo prazo sem aventuras danosas do atual governo. Cumpre buscar a verdade social sobre a normativa na conciliação entre o desenvolvimento econômico e o político. É necessário denunciar o binômio perverso expresso pela contradição entre o que se diz no Palácio do Planalto, na Câmara dos Deputados e no Senado e o que se passa na realidade cotidiana dos brasileiros. Estar vigilante diante das contradições concretas da realidade social para uma diagnose das mensagens que vão fluindo tantas vezes para manipular a opinião pública. Saber captar circuitos interrompidos que ficam embasados pelo jogo de cena, pelas montagens ilusórias, e, sobretudo, pelas promessas que nunca foram nem serão cumpridas. Os anéis da História não podem ser vistos separados, mas devem poder se ligar sob pena de haver a dilaceração do humano e o ludíbrio das consciências. É aí que o papel do verdadeiro cientista social aparece não se perdendo em análises superficiais e sensacionalistas, mas tirando conclusões profundas de tudo que está ocorrendo sem ceder às circunstâncias, sem a distorção dos fatos e acontecimentos momentâneos. Nada, porém, de pânico, nem de acomodação. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
sábado, 19 de dezembro de 2015
DO PRESÉPIO À CRUZ
DO PRESÉPIO `À CRUZ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus nasceu numa manjedoura que se tornou uma cátedra de onde o Verbo Eterno de Deus, o qual veio habitar entre os homens, ensinou suas primeiras lições. Quis aparecer como uma criancinha na mais absoluta simplicidade e, na verdade, pobre e dependente de José e Maria. Envolto em desconfortos, sem a mínima comodidade, seu rústico berço, local onde animais se alimentavam, estava exposto a todos as intempéries, a todas as condições adversas. Seu tenro corpo sofria o impacto do vento e isto durante uma gélida noite. O Libertador da humanidade ali se achava na escuridão, Ele que era a luz do mundo No entanto, Ele já se fazia o notável Mestre a pregar desprendimento e a renúncia aos deleites deste mundo. Anunciava assim, desde Belém, o valor da austeridade mais absoluta. A maneira como o Bem-amado do Pai quis ter o natal mostra que o presépio era o princípio de um grande projeto redentor. Toda trajetória de Cristo nesta terra culminaria numa Cruz na qual estaria também despojado de tudo. Ao nascer, se viu, logo depois, cercado de pobres e ignorantes pastores. Ao morrer estaria rodeado de pérfidos inimigos, rudes e incapazes de ver nele o Messias prometido. Em ambas as ocasiões no meio de enormes sofrimentos. Os guardadores de animais em Belém, vigilantes, atentos, na proteção de suas ovelhas, ao anúncio do anjo de que havia nascido o Salvador, foram imediatamente ver o recém-nascido e O glorificaram e louvaram. Os soldados aos pés da cruz em Jerusalém ficaram irredutíveis e lançaram suas invectivas e horríveis doestos a Jesus, com exceção de apenas um que fez um ato de fé perante o Crucificado: “Este era verdadeiramente o Filho de Deus” (Mc 15,39). Por tudo isto não se pode dissociar o presépio da cruz, uma vez que a trajetória redentora de Cristo teve sempre como fim último a salvação da humanidade. Professamos esta verdade no Credo: “Ele nasceu da Virgem Maria, padeceu, foi crucificado, morto e sepultado”. Para compreender, porém, o verdadeiro significado do nascimento de Jesus até o seu sacrifício supremo no Gólgota é preciso que o coração saiba escutar atentamente os sinais divinos, possuindo a simplicidade dos pastores em Belém ou a sinceridade do centurião no Calvário em Jerusalém. Durante sua vida pública Cristo não foi aceito pelos fariseus, pelos doutores da lei, pelos hipócritas. Foi acolhido, contudo, pelas crianças e pelos pecadores arrependidos. No próprio Calvário canonizou o primeiro santo, transformando um malfeitor em um cidadão do céu. Por tudo isto se deve projetar o Natal além dos esplendores dos cânticos dos anjos e a Paixão e Morte do Gólgota além dos horrípilos sofrimentos que Ele padeceu. Apenas deste modo se pode penetrar fundo no objetivo salvífico que o Redentor teve em mira na sua missão neste mundo. Como bem observou o Pe. Grou, Ele recebeu em Belém os pastores destituídos de riquezas, acolheu depois os Magos que eram ricos, mas sábios sem presunção, dóceis à luz divinal No presépio, porém, não esteve Herodes nem os mestres orgulhosos de Jerusalém. Lá no Calvário Ele teve a seu lado Maria, sua Mãe, e as piedosas mulheres, bem como o Discípulo fiel, João Evangelista, mas foi objeto dos insultos de seus inimigos. Quer no Presépio, quer no Gólgota só as almas de boa vontade podem contemplar numa criancinha inerme Aquele por quem todas as coisas foram feitas e num morto no alto de uma cruz Aquele diante do qual se dobram os joelhos no céu, na terra e nos infernos. Razão teve, portanto, a carmelita Edith Stein ao afirmar que “os mistérios do cristianismo formam um todo indivisível”, pois o Presépio deve, de fato, ser contemplado à luz dolorosa da Cruz. Esta mística alemã traçou melhor do que ninguém o liame espiritual entre o mistério da Encarnação que culminou com o natal em Belém e o da Redenção que se consumou sobre a Cruz em Jerusalém. Edith Stein reuniu cinco textos, a saber, uma conferência sobre o mistério do Natal e quatro meditações sobre o tema da Cruz, Soube com profundidade associar o mistério festivo do natal de Cristo e o mistério doloroso de sua paixão. Há entre os dois uma lógica profunda. Um conduz necessariamente ao outro, pois o caminho iniciado em Belém leva ao Gólgota. É o desenrolar do amor de Deus para com a humanidade chamada à salvação. Reflitamos sempre em tudo isto! *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
A SAGRADA FAMÍLIA
A SAGRADA FAMÍLIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Ainda envolta nas alegrias do Natal, a Igreja celebra neste domingo a Sagrada Família de Nazaré. O Verbo de Deus, que se encarnou e nasceu da Virgem Maria, realmente habitou entre os homens. Tomou então conhecimento de todas as vicissitudes do ser racional, vivendo concretamente as relações humanas. Sua infância, sua juventude, não foram um simples parênteses entre seu nascimento e sua morte redentora no Calvário. Ele se enraizou na nossa humanidade. Viveu os costumes de seu país, de seu povo, numa cidade dentro de uma família. O Evangelista Lucas registrou que em Nazaré “ele crescia, em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 3, 52). Quis assim colocar em relevo a vocação e a missão da família em suas dimensões humana e espiritual. Hoje mais do que nunca cumpre se apreenda a importância deste grupo social primário. De tanto repetida, mas nem sempre compreendida, a expressão “família célula mater da sociedade” perdeu seu significado profundo. É preciso que não se perca de vista nunca que a família é o lugar do amor em todo seu esplendor e verdade. Nela é que se transmitem os valores essenciais para que a criança possa se tornar um adulto verdadeiramente prestativo à sociedade e um cristão, autêntico discípulo de Jesus. O episódio vivido pela Sagrada Família narrado no Evangelho oferece lições preciosas (Lc 2,41-52). Estas mostram como cada membro de uma família deve procurar descobrir o outro mesmo nos momentos de aflições. No retorno a Nazaré após a festa da Páscoa, as caravanas se formavam e os meninos tinham liberdade de circular entre os parentes e vizinhos. Maria e José pensavam que isto tinha acontecido com Jesus. Após um dia de viagem, passaram a procura-lo e, não o encontrando, imediatamente regressaram a Jerusalém. As palavras de Maria, quando O localizaram no Templo entre os doutores, mostram o drama vivido por aqueles pais amargurados: “Filho, porque procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu andávamos angustiados á tua procura”. A resposta de Jesus os deixou ainda mais desconcertados: “Por que me procuráveis, Não sabíeis que eu devo me encontrar na casa de meu Pai”? O primeiro ensinamento que nos revela esta página do Evangelho é que, não obstante os liames afetivos os mais estreitos, cada um nem sempre percebe as diferenças que há entre as pessoas e então a adaptação se torna difícil, se um quiser enquadrar o outro nos seus moldes mentais. Esposos, pais e filhos devem dia a dia crescer no conhecimento mútuo para que nada possa afetar o amor, a comunhão entre aqueles que vivem sob o mesmo teto. O mistério interior do ser humano, resultante de seu perfil caracterológico, longe de ser um obstáculo é um verdadeiro tesouro que leva ao crescimento recíproco. O fundamento da comunhão familiar é o amor divino que não conduz à uniformidade, mas à universalidade na aceitação do outro como ele é. Sendo, porém, a família uma escola de virtudes nela uns ajudam os outros a corrigir os erros e a crescer na prática do bem e no desenvolvimento dos dons e carismas pessoais. Em segundo lugar, exatamente por isto. Maria legou um ensinamento precioso. Não recriminou a Jesus, mas, diz São Lucas, “guardava todas estas coisas em seu coração”. Procurava entender a perda do filho amado e sua misteriosa resposta que patenteava sua origem divina e sua independência em ralação aos pais terrenos. Ele tinha uma missão redentora a cumprir. Maria e José aceitaram por amor a explicação de Jesus e compreenderam que deveriam participar, eles também, da vida e da missão daquele que o Pai Celeste lhes havia confiado. Passaram a amar ainda mais o filho dileto apesar de não vislumbrarem o que aconteceria no futuro. José e Maria, porém, curtiam então a companhia de Jesus em Nazaré mostrando como se deve bem usufruir as descobertas maravilhosas do momento presente sem se preocupar com as dificuldades que o porvir possa reservar. A fé e o amor de Deus são o segredo para tranquilidade no lar. Aí está o cerne das preces que devem ser feitas por todas as famílias, sobretudo quando passam por provações. Estas orações são o sustentáculo do liame que precisa sempre prender os esposos, os pais e os filhos arraigados numa confiança absoluta naquele que é o Doador de todas as graças. A Sagrada Família de Nazaré se tornou um modelo porque se caracterizou pela sua simplicidade, sua humildade diante os planos divinos, sua doçura e sua paciência durante trinta anos. Que todas as famílias imitem este exemplo.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
sábado, 12 de dezembro de 2015
A VISITA DE MARIA A ISABEL
A VISITA DE MARIA A ISABEL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Duas mulheres se saúdam no pórtico da Nova Aliança (Luc 1,39-45). Uma já idosa, a outra ainda jovem. Ambas sintetizam toda a História Sagrada. Isabel enrugada pela idade era bem o sinal de longos séculos de preparação para a vinda do Messias prometido. Maria, a cheia de graças, imaculada em sua conceição, prognosticava a vinda de Jesus. Em comum nelas brilhava a esperança e a maternidade de ambas as engajara no plano de Deus ao qual deram total adesão. Viveriam a missão a elas confiadas pelo Todo-poderoso. As duas crianças que nasceriam mostrariam que para o Criador nada é impossível. Com efeito, Isabel era estéril e Maria era virgem. Num encontro singular Isabel se torna a primeira teóloga do novo Testamento: “Donde me é dada a graça que venha visitar-me a mãe de meu Senhor?” Maria faz resplandecer sua gratidão para com Deus: “Minha alma glorifica ao Senhor”. Havia, contudo, uma diferença profunda entre os filhos de Isabel e Maria. Um, pelo milagre, era filho de Zacarias, o outro, também por um prodígio maravilhoso, era o próprio Filho de Deus, concebido do Espírito Santo. Maria saudou sua ditosa prima e desde que sua voz chegou a Isabel o menino exultou de alegria em seu seio. No mistério dos encontros que marcam as existências humanas, jamais se veria cena tão extraordinária, qual seja o encontro invisível de duas crianças ainda no ventre materno. Naquele momento duas mulheres grávidas e dois meninos privilegiados anunciavam ao mundo que a desgraça de Eva estava desterrada da humanidade. Raiava, de fato, a expectativa da salvação. A beatitude de Maria se enraíza na fé e, mais tarde, diante dos prodígios operados por Cristo. Perante as sublimes palavras de Jesus outra mulher exclamaria no meio da multidão: “Feliz aquela que te trouxe e te alimentou” (Lc 11,27). Maria foi aquela que acolheu a mensagem divina e a guardou dentro de seu coração com muito amor. Ao se aproximar o Natal nada melhor do que cada um provar a experiência vivida pela Mãe de Jesus. Maria tinha consciência de que Deus interviera na sua vida: “O Poderoso fez em mim grandes coisas”. Quantos infelizmente não percebem a obra do Criador em suas existências. Pela fé é preciso que todo aquele que crê descubra as maravilhas divinas em si e em seu derredor. A exemplo do que ocorreu com Maria, Deus tem um projeto especial para cada um em particular. A solenidade do Natal oferece clima propício para que o cristão possa aquilatar as riquezas com as quais Deus o cumula. Maria tinha disto certeza absolta e, por isto, pôde dizer que seu espírito exultava de júbilo É claro que ninguém pode se comparar com ela, mas a experiência de Maria tem pontos comuns com os nossos, pois a seu exemplo nossa vida gira ou deve circular em torno de Jesus. A missão da Mãe de Jesus foi única, singular, a cada um dos remidos por seu Filho divino impende uma tarefa específica a ser executada nesta terra. As experiências espirituais que a cada ciclo litúrgico cada um vive precisa contribuir para sua própria perfeição no cumprimento do encargo profissional, familiar e na sociedade em geral. Quando, porém, a fé parece obnubilada, a esperança se esvai e o coração se esvazia, Maria está a proclamar: “Animo, o Senhor está próximo e Ele restabelecerá o significado sublime da missão que Ele te confiou”. Como Isabel e Maria que em tudo acolheram os planos divinos. imersos nos mistério de um Deus que se Encarnou e habitou entre nós. novas luzes brilharão. É que o reencontro com Jesus no seu Natal é sempre um momento privilegiado para se tomar consciência da importância do serviço de cada um para o bem próprio e da sociedade. Quem bem entender o sentido do encontro de Isabel e de Maria sentirá a graça de Deus mobilizando todo o seu ser e dando novas perspectivas para o futuro. Trata-se da experiência da conversão para uma disponibilidade semelhante a que tiveram Isabel e Maria. Elas cumpriram o que Deus delas pediu. Seus filhos João Batista e Jesus deixariam um exemplo de total correspondência aos desígnios divinos. Fundado na experiência de tão extraordinários personagens o cristão redescobre a realidade do itinerário que Deus propõe no curso de sua vida. Isabel deu ao mundo o Precursor do Salvador, Maria foi a Mãe do Messias, o esperado das nações e marcaram História humana. Ambas nos incitam a ir até Jesus no seu Presépio para reconhecer que nossas atividades, por insignificantes que possam, parecer têm uma repercussão imensa em toda a Igreja e em toda a sociedade. Tudo depende do modo como as realizamos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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