segunda-feira, 9 de novembro de 2015

DOM HELV´CIO E OS 270 ANOS DA ARQUIDIOCESE DE MARIANA

DOM HELVÉCIO E OS 270 ANOS DA ARQUIDIOCESE DE MARIANA Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho* Na História da Arquidiocese de Mariana as figuras notáveis de Bispos e Arcebispos muito exaltam uma trajetória refulgente de 270 anos. Entre eles se destaca também D. Helvécio Gomes de Oliveira, filho do glorioso Estado do Espírito Santo. A figura ilustre deste Antístite merece destaque pela sua personalidade marcante e seus magníficos feitos. Seu exterior austero, sério, grave. impunha respeito e, naturalmente, quem não o conhecia de perto poderia até julgá-lo inacessível. Quem, porém, com ele entrava em contato logo percebia uma alma simples, um grande coração. Possuidor de um caráter inoxidável, sem jaça, irreprochável, detestava o deslize, mas sabia compreender os lapsos humanos. Pletórico e de uma admirável integridade moral, apreciava o que era justo, correto ,sempre ciente e consciente de suas responsabilidades. Por vezes se revelava até perfeccionista, descendo a detalhes, sobretudo no que via menos digno nos templos e pertences da Igreja. Adite-se que seu porte espiritual e seu peculiar perfil caracterológico o imbuíam de um devotadíssimo amor ao pastoreio das almas que Deus lhe ia confiando. Mostrava-se diuturnamente inquebrantável diante do dever a ser cumprido e dotado de uma fortaleza irredutível em suas convicções. Deixava, porém, sempre a impressão de que cada dia que findava lhe marcava o alvorecer de uma nova etapa no seu crescimento interior na busca da perfeição preceituada pelo Filho de Deus. Era um lutador honrado, jamais se curvando ante as intempéries da existência, pois sabia, como poucos, que decreta sua própria ruína quem se entrega ao desânimo ou à indolência. Por isto, em todos os cargos que exerceu fez o que lhe foi possível fazer, tendo chegado por seus méritos à honra do episcopado, ostentando ascensões contínuas em sua vida. Exaltado por uns e mal interpretado por outros, sua figura singular deve ser estudada a partir da análise objetiva de seus nobres ideais. Foi uma das personalidades que tanta influição exerceu na História Eclesiástica do Brasil. Foi um Arcebispo realizador que por isto mesmo dignificou e muito os 270 anos da Arquidiocese de Mariana. O extraordinário apostolado exercido, mormente durante trinta e sete anos, de 1922 a 1959, na vasta Arquidiocese de Mariana, fez, sem sombra de dúvidas, de D. Helvécio Gomes de Oliveira um êmulo dos maiores Antístites de todos os tempos na História da Igreja de Jesus Cristo. Ele distribuiu por toda parte a irradiação polimorfa e policroma de suas peregrinas virtudes. Décadas bem floridas e repletas de frutos opimos. Foi, indiscutivelmente, um poderoso instrumento de Deus para mostrar a milhares de almas o caminho real para a felicidade eterna. Viveu em plenitude os seus 57 anos de Sacerdote de escol e 41 de epíscopo de fibra, numa longa existência, esmando sempre as grandezas da Igreja de Cristo. Seu zelo transformou sempre num fervilhante canteiro de obras do Evangelho suas atividades apostólicas, graças ao equilíbrio e ao dinamismo com que sabia distribuir suas horas entre a oração, o estudo e a ação. Por toda parte onde a Providência o colocou suas iniciativas propulsionaram aos fiéis de todas as idades uma caminhada segura na religião e no progresso pessoal e comunitário. Nunca perdeu de vista suas ovelhas, mas as tinha diuturnamente no coração e, por isto, provia o que necessário fosse para o crescimento da vida religiosa na Arquidiocese. Impressionante seu amor ao Seminário e às vocações religiosas e sacerdotais. Labutou para o bem-estar de seu rebanho, dele cuidando com zelo constante sem medir esforços para nunca lhes faltasse o pábulo espiritual. Lutas sem registro, noites de vigília, dias sem limites, mas tudo registrado nos anais de Deus. De fato, através dos anos foi acrisolado pelas provações, demonstrando uma garra extraordinária diante dos perigos que se lhe vinham ao encontro. Jamais injustiça alguma lhe diminuiu a bondade do coração. É que sua têmpera de infatigável epigono do meigo Rabi da Galileia não o deixava fraquejar nunca, fazendo-se sempre arrimo até daqueles que bem não o compreendiam. Nunca traiu a verdade, ensinando o Evangelho sem mutilá-lo ou alterá-lo para agradar os homens. Nas mais pequeninas localidades, nos arraiais mais distantes, transitando por estradas impérvias, lugares abandonados pelos governos do Estado, ele se fez presente levando uma palavra de conforto, uma orientação oportuna. O que políticos semeadores de ilusões não faziam pelo progresso destes vilarejos, ele o realizava com proficiência, abrindo espaço para o desenvolvimento que foi ocorrendo com o passar dos anos graças a suas diretrizes. Através de uma linguagem fácil e repleta de unção porque provinda da sinceridade de um coração pleno de bondade e amor ao Evangelho ele instruiu, converteu, animou e salvou uma multidão de ovelhas de seu rebanho. Sabia falar ao povo. Realiza-se com este Antístite plenamente o que preconizou D. Oscar de Oliveira em um dos seus substanciosos artigos: "Durante a vida de alguma personagem benemérita da sociedade, o pobre julgamento humano se inclina, geralmente, mais a acentuar lhe senões que a lhe destacar merecimentos, que são de maior porcentagem. Após a morte, o contrário é que sucede. Homens de prol crescem na admiração geral, ao escoarem os anos de sua morte. Na apreciação serena de seus feitos, as sombras do quadro realçam os contorno luminosos de suas figuras. Foi o que vem acontecendo com o Segundo Arcebispo de Mariana. Quanto mais passam os anos mais afloram para as gerações seguintes seus feitos adamantinos. Já diziam os latinos: veritatem temporis filiam esse ( Aulus Gell., Noct act.XII,II.7) - a verdade é filha do tempo”. D. Helvécio foi um bispo firme e forte na defesa dos princípios evangélicos. Demonstrou, espiritualmente, um caráter varonil, capaz de grandes decisões e notáveis empreendimentos pela causa de Deus. Moldado pela graça e estruturado pelo sofrimento foi capaz de fazer grandes obras para o bem das almas. Quem o conheceu sempre percebeu que estava absolutamente seguro do que dizia e planejava. Jamais propunha alternativas inviáveis ou suscitava dúvidas no que cumpria ser feito. Era claro nos seus propósitos. Se preciso, enfrentava situações difíceis que lhe proporcionavam grandes aborrecimentos, mas ele colocava em primeiro lugar o interesse dos fiéis. Ao propor suas opções, porém, ainda as mais legítimas, sempre o fez mostrando como referencial os direitos do Evangelho. Mostrou-se sempre enérgico em disciplinar todos os setores da Arquidiocese. É que ele possuía uma tão grande integridade moral, movido sempre por um elã de fervor religioso profundo, que fazia esplender sempre de maneira evidente um condottiére repleto de nobreza e autoridade. Sábio no mando e no comando sempre procedeu como Pastor, tratando o clero e o povo como amigos e bons colaboradores para a expansão do Reino de Deus. Querendo forte e respeitado o poder de que estava nimbado, dentro do princípio paulino de que omnis potestas a Deo - todo poder vem de Deus - o exerceu firme, mas sem arrogância. Soube em tudo colocar em prática o que o bom senso recomenda, ou seja, tudo que não emana da prudência é ato de temeridade, gesto de violência que não leva a nada. D. Helvécio foi um Bom Pastor sempre abrasado pelo zelo da salvação das almas e que para o redil de Cristo tangia as ovelhas disciplinadas, usando tolerância e compreensão com as tresmalhadas numa operosidade incansável. Teve o pulso de Santo Ambrósio, a clarividência de São João Crisóstomo, o espírito missionário de São Bonifácio, a preocupação apostólica de São Paulo, a fidelidade de São João Evangelista. Sua administração revelou no seu todo um conjunto conexo, harmonioso e sólido, pois na gestão dos negócios de sua vasta Arquidiocese revelou uma capacidade gerencial admirável. Foi um administrador inigualável. Como poucos D. Helvécio sabia desmascarar os aleives dos hipócritas, pondo-lhes ao sol da verdade dos fatos. Possuía a estranha têmpera do homem verdadeiramente apostólico que enfrentava garbosamente todos os desafios para a glória de Deus e bem das almas, ostentando a culminância da alma sacerdotal. Tinha, de fato, um caráter estruturado amarrado por altíssimas virtudes morais que chocava, evidentemente, espíritos abilolados. Por onde passava deixava os rastros luminosos de um ardoroso combatente do bem. Jamais percorreu as ruas da imaginação estéril, mas com um olho clínico admirável captava nos pormenores qualidades e defeitos de seus subordinados, incentivando aquelas e corrigindo o que deveria entrar nos eixos. Abominava mexericos e desprezava pedaços de escândalos, mas estava atento para obstar que os mesmos acontecessem. Se tal ocorresse logo procurava sanar as dificuldades evitando que o mal se propagasse. Como poucos, sabia observar as pessoas, captando as discrepâncias significativas que impedem observações incorretas, dado que, de fato, as aparências enganam. Sobretudo no final de sua vida, de cima do pedestal de sua idade, atingiu este discernimento ainda mais notável acuidade. Fecundou a Arquidiocese de Mariana com seus sofrimentos e soube encontrar na grandeza do seu zelo a perseverança triunfal em meio às contradições humanas. Em tempos ouriçados de inauditas e incríveis dificuldades assombrava pela tenacidade invicta de seu amor ao seu rebanho, jamais se curvando ante as intempéries graças à sua robusta envergadura interior. Sempre disciplinado, teve no mais alto apreço o princípio de autoridade pelo qual zelou, ainda que tivesse que suportar a incompreensão daqueles que não atinavam com seus objetivos maiores. Procurava sempre estar informado sobre os acontecimentos do Brasil e do mundo sobretudo numa análise crítica dos principais jornais da época. Era leitor assíduo do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã, cujas assinaturas sempre eram renovadas. Em cartão dirigido ao Pe. Daniel Tavarees Baêta Neves datado de 14 de novembro de 1940, enviado do Rio de Janeiro, ele dizia: "Já tomei a assinatura do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã". Como seminarista, vimos várias vezes sobre sua mesa em sua Residência recortes destes jornais,, sublinhados com lápis vermelho, como era seu costume. Acima ficou registrado como nas suas visitas pastorais pelo interior de Minas sempre se queixava de não poder estar a par das notícias através dos órgãos da imprensa escrita. Sua preocupação com a educação da juventude e os numerosos Educandários que sob sua égide foram surgindo assentaram o nome de D. Helvécio entre os mais extraordinários batalhadores da causa do ensino em plagas brasileiras. Velou pela educação da juventude, pois sabia que dela sempre dependeu o porvir do Brasil. Seu nome estará sempre gravado luminosamente não apenas nos anais marianenses, mas de toda a pátria brasileira pelo muito que fez em três Estados da União e pela influição que teve nos destinos políticos do Brasil. Pela grandeza pessoal de seus méritos ele dignificou sobremaneira o Áureo Trono Marianense, legando a seu sucessor recursos extraordinários para projetar sempre mais a religiosidade nesta vasta região de Minas. D. Helvécio foi, sem sombra de dúvidas um homem de grande visão quer sobre a grei que o Senhor lhe confiou, quer sobre os magnos problemas nacionais. Nunca calou quando devia falar, pois tinha plena consciência da gravíssima responsabilidade da omissão Distinguiu-se como missionário, professor, jornalista e acima de tudo como um notável Pastor de almas. Foi um líder em toda a acepção da palavra. Realizou a recomendação do Apóstolo Paulo a Timóteo (1 Timóteo, 4,12), pois foi um exemplo para os fiéis pelo ardor de sua palavra, pela profundidade de sua fé, pela integridade de sua vida e pelo interesse devotado para com todos. O carinho e a solicitude para com o Seminário de Mariana, que prosseguiu como celeiro de sacerdotes dedicados e ilustres, foi uma das maiores glórias do episcopado de D. Helvécio. Zelo e dedicação marcaram sempre o desempenho dos cargos que lhe foram confiados, primeiro na Congregação salesiana e depois nos bispados do Maranhão e de Mariana. Por onde transitava, a par de ubérrimos frutos de salvação de bênçãos, deixava em cada uma de suas ovelhas um profundo amor à Igreja e seu divino Fundador. Graças a seu tino administrativo cresceu de muito o patrimônio da Arquidiocese. Sustinuit crucem foi o lema do brasão de D. Helvécio e ele o viveu em plenitude. Alma ligada ao fardo pesado de responsabilidades; coração apertado e a sangrar por ver que tantas de suas retas intenções não eram bem compreendidas; triste, tantas vezes, por ver as forças do mal forcejando destruir a obra evangelizadora; tomado por tantos males físicos , mas sem nunca esmorecer e carregando a cruz do episcopado, pesada e áspera, com todos os outros complicadores que a faziam sempre mais custosa e isto até o último minuto de vida. Por toda parte sempre almejou contemplar o lourejar da vasta planície da vinha que lhe era confiada com messe opima de maduro trigal de almas para os celeiros dos céus, arrancando os corações das garras do Inimigo. Ele estava sempre a repetir com D. Bosco: Da mihi animas, coetera tollet - "Dá-me almas, com o resto podeis ficar"! Não paira dúvida de que Helvécio teve uma passagem iluminada nesta terra.. Tornou-se um dos mais ardorosos apóstolos do século XX, sabendo manejar todas as armas da luz para debelar o indiferentismo avassalador, a incredulidade perversa e a impiedade arrogante. Tem merecido lugar na galeria dos homens ilustres da Terra de Santa Cruz, entre aqueles que não recusaram nunca os ônus dos cargos que ocuparam, jamais sedentos de honras. Deste modo ele levantou por toda parte o facho da virtude e dissipou trevas em seu derredor. Pouco lhe importava se na defesa dos princípios evangélicos os poderosos não apreciassem suas vibrantes palavras, pois sabia combater o bom combate a favor da ética cristã. Foi sempre fiel aos valores da Verdade, da Justiça e do Direito. Apostolou nos púlpitos, nas circulares, nas ondas radiofônicas e também nas tertúlias com as mais altas autoridades da época. Getúlio Vargas, com razão, nutriu especial consideração a suas sábias ponderações e o distinguiu em várias oportunidades, o que demonstra uma presença nacional deste Arcebispo marianense. D. Helvécio sabia falar aos doutos na linguagem sábia dos doutores, mas ao povo simples, embora sempre num linguajar escorreito, empregava a moeda de cobre do modo de falar popular. Com razão, por ocasião de sua morte, o inigualável latinista Pe. Pedro Sarneel assim o louvou, palavras que sintetizam tudo que se poderia dizer deste Senhor Arcebispo: “Com todas as veras do coração que se proclame, de fato, Salve e Adeus, Chefe Infatigável, que escolhestes a Cruz pelo Nome de Jesus!” D. Helvécio foi, realmente, um grande lidador que, a exemplo do Apóstolo Paulo, combateu o bom combate, guardou a fé, carregando com garbo e perseverança a cruz de fatigantes trabalhos, de pesados sofrimentos, de enormes contradições humanas, jamais desfalecendo, graças à sua profunda fé. Viveu, de fato, integralmente o seu lema episcopal: sustinuit crucem - levou até o fim com galhardia a Cruz de Cristo, pois ele compreendeu perfeitamente as palavras do Mestre divino: "Quem não toma sua cruz e vem após mim, não pode ser meu discípulo". Ele, aderido ao seu Senhor, nunca deixou de lado esta Cruz e foi, deste modo, um modelar epígono do Redentor, legando aos pósteros lições magníficas, algumas aqui exaradas ad gloriam Dei - para a glória de Deus. A Providência lhe concedeu longos anos de vida, mas D. Helvécio os passou mostrando que a melhor existência é aquela que transcorre em permanente comunhão com Deus no cumprimento diuturno da missão a cada um confiada. Por isto seu túmulo na Catedral de Mariana foi o berço de sua perene recompensa na Jerusalém celeste. Morrer foi sua aurora para a vida perene junto do Ser Supremo. Se não foi perfeito, as falhas devem ser atribuídas à fragilidade do ser humano, mas estas foram sempre ultrapassadas por tudo de bom que realizou e que aqui se tentou compendiar. Singularizou-se, de fato, por méritos indiscutíveis aqui em parte recordados. Se cometia erros, neles jamais perseverou. Seu apostolado ficou imortalizado por obras imperecíveis, fundidas no bronze de uma profunda espiritualidade. D. Helvécio deve ser, de fato, olhado pelos grandes e bons serviços que prestou à causa do Evangelho e do Civismo. Se qualquer pessoa por onde passa deixa vestígios na história, bem se pode aquilatar os sulcos profundos que D. Helvécio imprimiu por onde transitou e recordar uma tal .existência é reviver páginas gloriosas da História da Igreja no Brasil. Sua vocação foi mesmo ser um condutor de homens, um autêntico líder, desbravador da fé, semeador de valores que opulentaram e engradeceram sua grei. Amor à Igreja e à Pátria, devotamento ininterrupto, com dedicação exclusiva, ao exercício de seu múnus episcopal caracterizaram uma vida admirável totalmente consagrada a Deus. Eis, em síntese, o grande legado da vida deste Senhor Arcebispo! Ita in fide sacerdotis et magistri. • Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

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