terça-feira, 28 de dezembro de 2010

BEM-AVENTURADOS OS PUROS

BEM-AVENTURADOS OS PUROS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Sobretudo no contexto atual, cumpre refletir sobre o que Jesus proclamou: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Uma das mais belas considerações sobre esta bem-aventurança foi feita por Santo Irineu no seu tratado contra as heresias. O sábio bispo de Lion mostra que “assim como os que vêem a luz estão na luz e recebem seu esplendor, também os que vêem a Deus estão em Deus e recebem seu esplendor. O esplendor de Deus vivifica; portanto os que vêem a Deus recebem a vida”. Entretanto, como bem declarou Jesus, apenas os puros de coração podem ter esta ventura sublime. Já nesta terra, os que não se deixam contaminar pelos desregramentos que o mundo oferece percebem de tal forma a presença divina em sua alma, como se estivessem degustando a visão do Ser inatingível o qual por seu amor, sua bondade e onipotência concede esta dita aos que têm uma consciência limpa. É por assim dizer a preparação para a visão beatífica, dom escatológico ao qual se refere são Paulo: “No presente, nós vemos por meio de um espelho, de maneira confusa; então veremos face a face” (1 Cor 13,12). Agora, e por toda a eternidade, é possível a felicidade de se relacionar com Deus, santidade infinita. Trata-se de uma abertura para o Infinito que apenas o coração purificado pode acolher, apesar das limitações humanas, das aliciações mundanas, das influências lascivas dos meios de comunicação social num mundo no qual impera uma sensualidade desregrada. A certeza de um dia poder contemplar a beleza do Ser Supremo é que oferece a quem tem fé a vitória sobre a corrupção dos costumes. Isto requer energia, esforços contínuos, numa luta contra duplicidade, ou seja, mesmo que o cristão não se entregue à depravação, ele não aprova, mas reprova tudo que agride quer o sexto, quer o nono mandamentos. Em consequência, foge de tudo que possa conspurcar sua conduta. É de se notar que Jesus fala nos puros de coração, pois o coração na Bíblia significa o olhar, a intenção, a motivação, o ponto mais íntimo do que cada um é, a origem e a sede da liberdade, da consciência pessoal e moral, a personalidade no conjunto de suas faculdades, a saber, a inteligência, a vontade e a memória. Pois bem, o coração assim entendido, segundo Cristo, deve ser puro, sem mistura alguma de bem com o mal, simples, longe de toda doblez, mostrando total harmonia, unidade que não compactua com o que é sórdido. Disto resulta a pureza das motivações, a retidão, a fidelidade a Deus, que é a Verdade Suprema, a Santidade global. Assim sendo, a pureza de coração se torna a beatitude da vida interior que se reflete na retidão da existência, na coerência entre o que o cristão é e o que apresenta ser. Trata-se de uma beleza interior que produz belos frutos exteriores. Ser puro de coração é jamais trair a vocação cristã diante dos julgamentos dos outros, não se envergonhando de seguir a risca os mandamentos divinos. Ser puro de coração é jamais mentir a si mesmo e, se ocorrer algum deslize, o arrependimento sincero tudo refaz e se firma a resolução firme de se evitar as ocasiões de pecado, os filmes imorais, os sites pornográficos, as revistas imorais, enfim toda licenciosidade de uma sociedade que se entrega ao descalabro moral. A pureza de coração é algo que vem do que se passa entre Deus e a pessoa do verdadeiro cristão na intimidade secreta de sua sinceridade absoluta. Os que profanam a beleza do amor numa sexualidade desregrada, os que se entregam às drogas, à bebida sucumbem às formas mais humilhantes de uma servidão ignóbil. Ser puro de coração supõe então a reconsideração urgente dos valores que dignificam o ser humano. A promessa, contudo que Jesus faz compensa todos os esforços, pois, é a condição para se ver a Deus. Contemplar o Ser Supremo é o desejo mais recôndito de todo aquele que se examina a si mesmo. Se a fé consiste em crer no invisível, a visão é precisamente se colocar na presença do Invisível. É o desejo de toda pessoa que verdadeiramente ama a Deus. Ver é possuir e o Criador é a beatitude infinita. Para isto, porém, cumpre se ter um coração puro, transparente, autêntico, coerente, límpido, diáfano, cristalino. É preciso, porém, que o cristão esteja inteiramente voltado para Deus, vazio de si mesmo, mas integrado, confundido com o coração de Jesus, o Ungido de Deus. Já David proclamava: “Quem subirá na montanha do Senhor? Quem há de permanecer no seu lugar santo? O que tem as mãos inocentes e o coração puro [...] Este obterá a bênção do Senhor, e a justiça de seu Deus salvador” (Sl 24 (23) 3-6). Eis aí o ideal que Jesus propõe ao apregoar: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus”. Demos, porém, graças ao Senhor, pois são inúmeros os cristãos que realizam em sua vida tão sublime aspiração, estão no mundo, mas não são do mundo, gozando daquela ventura que ultrapassa toda consideração terrena, vivendo nos páramos a verdadeira felicidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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