terça-feira, 23 de novembro de 2010

A QUEM POSSUI SERÁ DADO MAIS AINDA

A QUEM JÁ POSSUI SERÁ DADO MAIS AINDA.
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
As palavras de Cristo “a quem possui será dado mais ainda” (Lc 19,26) têm suscitado profundas reflexões através dos tempos. Um dos aspectos a serem considerados é este: Quem possui a fé, possui uma riqueza incomensurável, mas quem se santifica pelas boas obras recebe mais ainda, dado que se apresentará um dia diante de seu Senhor repleto de merecimentos. São Tiago foi claro: “A fé sem as obras é morta” e é se santificando que se possui uma fé viva e que faz o cristão dar frutos abundantes para a vida eterna. São Paulo aconselhou aos Coríntios: “Tende as vistas voltadas para a perfeição” ( 2 Cor 13, 11). Ele repetia as palavras de Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48). A obrigação de aspirar a esta perfeição se fundamenta portanto numa ordem expressa do Mestre divino. Como a perfeição de Deus é infinita, a busca da santidade é uma rota para o cristão até o último instante de vida num esforço contínuo dentro de suas limitações. Para tanto cumpre estar diante do Ser Supremo não como escravos temerosos de castigos presentes ou futuros, não como mercenários que só pensam na recompensa que Deus há de dar aos bons, mas como filhos e amigos. Os filhos verdadeiros amam e servem o pai por amor. As almas mais perfeitas tendem para Deus como o melhor e mais amante dos pais. O prêmio e a punição são considerados como algo secundário. O cristão que busca a perfeição ama a Deus porque se sente amado por Ele. Daí resulta um amor mútuo. A causa de amar é o amor e o fim do amor é amar sempre mais. É o que os místicos chamam de amor puro de benevolência que deve alicerçar o projeto de vida de todo cristão. Este é o motivo mais perfeito, esta é a reta intenção mais elevada e mais desinteressada que leva a quem possui a receber mais ainda daquele que é a fonte de todo bem. As obras inspiradas pela caridade perfeita de Deus e do próximo são as mais agradáveis ao Ser Supremo e também, por consequência, as mais meritórias. Quem se alimenta, por exemplo, já possui a saúde corporal, mas quem toma o alimento para retemperar as forças para trabalhar com mais afinco para a glória de Deus e salvação das almas é um motivo muito superior que produz o mérito da obra. Dá-se o que Jesus falou: “A quem já possui será dado mais ainda”. Tudo depende das boas intenções. Para crescer na perfeição tudo quanto pensa, deseja e pratica o cristão tem por objetivo unicamente comprazer a Deus, cumprir sua santa vontade e lhe dar a maior glória que seja possível. Isto significa adiantar na perfeição. A retidão de intenção que leva à santidade de vida pode parecer fácil, mas na prática não o é. Há elementos estranhos que podem obscurecer a limpidez da ação. Em tudo deve andar longe o amor próprio, a vanglória, a rotina. Para crescer na perfeição é preciso estar sempre na presença de Deus que vê todos os atos internos e externos. Isto ajuda a obrar com espírito de fé, a viver uma vida interior e de recolhimento, donde o valor imenso das jaculatórias, aspirações que se tornam a respiração mesma da alma. Os grandes santos cresciam dia a dia na perfeição por que tudo faziam como se fosse o último ato de suas vidas. Isto leva a santificar o momento presente, deixando sempre o futuro nas mãos de Deus. A vida humana se compõe de instantes. Se o cristão santifica cada um deles, os santificará todos e, portanto, a vida inteira. Por tudo isto cumpre renovar com frequência o desejo de só querer agradar a Deus. A boa intenção pode ser atual, quando influencia presentemente a obra; virtual, quando se realiza em virtude de um ato anterior que, todavia, continua influenciando aquela atividade; habitual, quando a alma está sempre unida a Deus. Tudo isto leva o cristão a praticar tudo com fervor, com ânimo, com toda a energia da vontade, pondo em tudo todo o empenho possível. Desta maneira aumentará continuamente o mérito e se realiza o que Jesus falou: “A quem possui será dado mais ainda”. O segredo da vida cristã é fazer de modo extraordinário as coisas ordinárias da vida. O cristão piedoso acompanha a obra exterior com espírito interior. Nada faz por capricho ou levado pelo amor de si mesmo, pela vaidade, mas só por Deus e para Deus. Deste modo o discípulo de Cristo se torna um poeta que canta continuamente o louvor divino, contemplando as maravilhas de sua graça e de sua bondade na alegria ou na tristeza, na saúde e na doença. Eis porque São Paulo orientou de maneira realmente sábia: “Quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor 10,31).Deus criador de tudo criou o ser racional para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo neste mundo e, depois, possuí-lo durante toda a eternidade. Oferece Ele a todos meios quer na ordem natural e quer na ordem sobrenatural. Quem os sabe valorizar os possui e a ele será dado muito mais. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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