quarta-feira, 23 de junho de 2010

O MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

O MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nunca se aprofunda demais sobre a grandiosidade da Encarnação do Verbo de Deus que veio a este mundo para salvar a humanidade vítima do pecado edênico. O amor infinito que o Ser Supremo demonstrou para com o ser racional é um mistério insondável, mas que deve levar aquele que crê a conseqüências inefáveis. A redenção da humanidade doente podia ter-se feito de mil e uma maneiras, sem necessidade de que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fizesse homem, nascesse num presépio, fosse açoitado, flagelado, escarnecido e morresse na cruz. Tudo isto humilhação sobre humilhação. Uma indagação então se impõe: por que Deus se fez homem e padeceu esses e muitos outros aviltamentos? Santo Inácio de Loyola foi curto e incisivo ao responder esta questão: “Para que nós o amassemos”. O notável teólogo estava bem na alheta de São João: “Nisto consiste o amor: não fomos nós os que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e nos enviou o seu Filho em expiação dos nossos pecados [...] Nós amamos porque Ele foi o primeiro a nos amar” (1 Jo 4, 10. 19). O homem não pode amar facilmente uma idéia. Um Deus-idéia não é objeto de amor. Pode ser até de palavra, mas não de dileção. Daí o erro fragoroso dos que querem transformar as verdades reveladas em meros símbolos. Se Cristo fosse um mero símbolo como, de fato, O poderíamos amar? Ninguém ama um símbolo. Jesus não é um símbolo, uma mera idéia. É um homem real e verdadeiro, de carne e osso, que teve fome, sêde e sono, que sofreu e padeceu, que chorou e se alegrou, que temeu e esperou. Foi um homem na plena acepção da palavra. Deus e homem verdadeiro como se proclama no Credo. Quando se ama a Cristo com amor real de homem para homem, se está amando a Deus. Eis por que a melhor maneira que Deus pôde descobrir para ser amado deveras e ser seguido não apenas em idéia, mas com verdadeiro afeto foi fazer-se homem, sem deixar de ser Deus. Por isso qualquer outro culto, a não ser o culto cristão, deturpa completamente o objeto da religião e se transforma em filosofia pura ou mitologia pura. Foi o que ocorreu entre os pagãos e acontece no contexto atual com tantas formas esdrúxulas de aparência religiosa como o culto à Mãe Natureza, a Iemanjá e outros semelhantes. Além disto, a razão pela qual se pode dizer que se deve imitar a Cristo, é porque Ele viveu todas as condições do ser racional. Não teria sentido falar em imitar a Deus, mas se Cristo é Deus, ao imitar a Cristo se imita a Deus, mas tendo um paradigma humano. A Encarnação foi a ponte lançada entre o homem e Deus. Isto, porém, foi uma obra divina, porque só em Deus há a grandeza imensa de descer do infinito ao finito numa admirável “katábase”. Ele se fez um de nós! Maravilhoso fato: esse Deus feito homem iniciou a sua existência terrestre com o sacrificio mais admirável, pois nasceu homem e, depois, levou uma vida humana multiplicando gestos de amor à humanidade. A dileção imensa que consistiu em se fazer, por nosso amor, modelo vivo de todas as virtudes humanas, elevando-as ao maior grau possível entre os homens, foi algo realmente extraordinário, inimaginável. O que se esquece, contudo, é que a vida oculta de Jesus e a sua vida pública devem ser o modelo do que o homem precisa ser e fazer. A Encarnação é o ato de Deus que mostra, praticamente, como homem o que o homem pode ser e fazer, se quiser bem usar sua liberdade. Ele é o exemplar que deve ser amado, seguido, imitado. Nisto é que deve consistir o trabalho pela própria salvação eterna, porque ninguém pode ser salvo senão em Cristo e por Cristo (Atos 4,12). A fé no Filho de Deus Encarnado, a obediência à sua doutrina, a imitação de suas virtudes eis a rota do verdadeiro cristão e fora dela só há desgraça e vaidade. Quem quer viver eternamente com Jesus, precisa conviver com Ele nesta terra, pois Ele mesmo afirmou: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Quem transita por esta vereda nunca andará nas trevas. Quem aceita esta verdade jamais resvalará no erro. Quem vive esta vida está imerso numa luz eterna, repetindo com São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. O Apóstolo havia compreendido plenamente o alcance do mistério da Encarnação. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário