quinta-feira, 24 de junho de 2010

A MISTICA DAS MONTANHAS

A MÍSTICA DAS MONTANHAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Páginas marcantes da História da humanidade se escreveram nos montes. Em todas as literaturas deparamos nas montanhas eventos importantes que traçaram os destinos dos povos, fatos famosos e épicos que presidiram a evolução dos acontecimentos, sucessos grandiosos que entraram nos fastos das nações. Em todos os rincões do globo, lobrigamos nos montes, peripécias que se vincularam àquela gente, àquele torrão. Poetas imortais cantaram sempre as montanhas majestosas de sua pátria. Entoaram loas e hinos às esbeltas e risonhas colinas de sua terra, contemplando junto delas magnificências sem par, entrevendo nelas jóias preciosas de suas plagas. Na decantada Grécia, o monte Olimpo com seus imponentes píncaros eternamente cobertos de neve, a dois mil oitocentos e oitenta e cinco metros de altitude, era para a gente helênica a mansão encantada dos deuses. O verdejante e florido Parnaso, com seus belos e amenos cumes, era para eles o solar aprazível de Apolo e das Musas, as inspiradoras do estro dos artistas. A princesa do mundo antigo, a famosa e formosa Roma, tem sua origem nas sete delicadas colinas que emolduram o sítio primitivo da renomada urbe. Era lá que Júpiter imperava soberanamente; onde Jano, a poderosa e terrível divindade da guerra estabelecera seu domínio, optanto pelo Janículo; onde, após a guerra dos Titans, Saturno destronado, veio lhe pedir guarida, tendo sido cedido a ele o monte Capitólio. O povo de Deus bem conheceu de perto esta mística impressionante das montanhas. A Arca de Noé, após sua missão salvadora, repousou nos montes da Armênia (Gên 8,4). Quando Iahweh desceu dos céus para dar ordens a Moisés, investindo-o da missão de libertar seu povo, foi a célebre montanha de Deus, o Horeb, palco de cena que marcaria a existência do povo hebreu( Ex 3,1). Foi ela o ponto de onde os israelitas partiam para Cades-Barne (Dt 1,2.6.19). Foi também o palco da promulgação da aliança (Dt 4,10.15;5,2;9,8;28,69) e da visão de Elias (1 Rs 19,8). Libertado o povo de Deus do Egito, é uma outra montanha que entraria nos anais da História. Ali houve a mais importante teofania, quando Moisés recebeu das mãos de Deus as tábuas da lei, o Decálogo, roteiro da felicidade. A Bíblia descreve o fato impressionante: “ Toda a montanha do Sinai fumegava, porque Iahweh desceu sobre ela no fogo; a sua fumaça subiu como a fumaça de uma fornalha, e toda a montanha tremia violentamente” (Ex 19,18). O povo eleito sempre entrevia nas montanhas o lugar donde lhes adviria o auxílio do Todo-Poderoso: “ Ergo os olhos aos montes: de onde virá o meu socorro? O meu socorro vem de Iahweh que fez o céu e a terra”(Sl 121(120),1). Isto tanto impressionava que Aram dizia que o Deus de Israel era o Deus das montanhas e não dos vales (I Reis 20,28) Aliás, a esposa dos cantares imaginava seu dileto saindo das risonhas montanhas: “ A voz do meu amado! Vejam: vem correndo pelos montes saltitando nas colinas! (Cânt 2,8). Davi proclamou o “monte Sião, no longínquo Norte, cidade do grande rei” (Sl 48(47),3). Foi num monte, o Tabor, que Jesus se transfigurou ali onde resplandeceram os raios de seu divinal fulgor. Foi numa belíssima colina que Ele retratou os eleitos do céu, proclamando as bem-aventuranças como exórdio do mais belo sermão de todos os tempos. Eram os montes seu lugar de refúgio para seus instantes de tertúlia com o Pai e para fugir da sanha dos inimigos que queriam apedrejá-lo. Foi no monte das Oliveiras que se travou a maior luta moral jamais presenciada no orbe, quando o Filho de Deus se viu nas angústias de uma agonia que iniciava a obra redentora. Foi nos montes que se deram instantes decisivos na vida de grandes santos como para aqueles ermitães que viviam no século XII nas cavernas do célebre Monte Carmelo, ardentes de amor a Deus para orvalharem daí a humanidade com o rocio da bênção do céu e depois se espalharam pelo mundo espargindo a palavra divina. Foi no poético Alverne que Francisco de Assis mais se uniu a Cristo, recebendo aí de seu Crucifixo os estigmas. Eis por que o maior de todos os acontecimentos, o ato oficial do resgate da humana estirpe deveria se consumar num monte. Este presenciaria o ensanguentado drama que, através dos séculos, desafiaria o assombro e admiração dos homens, tragédia famosa por seus horrores. Tão grande é o papel que os montes exercem no espírito humano que, embora o Gólgota fosse um montículo, uma mera elevação, passou para a História como o monte Calvário.
Neste lugar, ponto de encontro de todas as gerações, depois que o ritual da dor fôra minuciosamente percorrido, Jesus consumou a obra da salvação da humanidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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