sábado, 8 de maio de 2010

A FELICIDADE PERENE LÁ NO CÉU

A FELICIDADE PERENE LÁ NO CÉU
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A bem-aventurança é a inclusão de todo o bem. A visão beatífica é disto o ápice, pois, como diz São João, seremos semelhantes a Deus, “porque o veremos como ele é”. O mesmo ensina São Paulo: “Nós agora, vemos (a Deus) como por espelho em enigma; mas então face a face”. Santo Agostinho acrescenta que O contemplaremos como vêem os anjos: “Sicut ergo illi vident, ita et nos visuri sumus”. Santo Tomás explica que a divina essência será como a forma do entendimento: “In visione qua Deus per essentiam videbitur ipsa divina essentia erit quasi forma intellectus quo intelliget”. Deus mesmo se une à alma. Esta visão, ainda que imediata, incompreensível, elevadíssima, não é absoluta, adequada. Porque o bem-aventurado ainda que se torne semelhante a Deus não se converte em Deus; permanece sempre finito e limitado, incapaz de compreender totalmente o objeto infinito. É que se trata de uma transcendência infinita. O bem infinito, porém, é sempre novo. Onde a novidade não acaba e sempre atrai, o amor e o gosto nunca diminuem. Assim, embora participada, a glória eterna é fonte de ininterrupto e perfeito gozo. Do mesmo modo, porém, como a inteligência atingirá a plenitude de sua satisfação, a vontade estará saciada em seus recrescentes desejos. Amará exclusivamente a Deus e se comprazerá nele. É o que Deus havia dito a Abraão: “Não temas Abraão, eu sou o teu protetor, e tua recompensa (será) excessivamente grande”. Dar-se-á o que o Cântico dos Cânticos prognosticou: “... encontrei aquele a quem ama a minha alma, agarrei-me a ele, e não o largarei mais”. O salmista vislumbrou este momento feliz: “Eu, porém, com justiça verei a tua face, saciar-me-ei ao despertar com o teu semblante”. É o arrebatamento diante da infinita beleza divina. A alma goza então do Ser Infinito e fora dele nada mais deseja. Neste mundo, como observa Phillipon, “toda inteligência, mesmo desviada, guarda a nostalgia de Deus”30. No céu a presença da divindade inebriará com sua luz aquele que foi feito para Ele, como o pássaro foi feito para voar ou o sol para brilhar. Deus o atrai como o rio é arrastado para o mar, o peregrino para o lar, a bússola para o polo magnético. É o que São Paulo exprimiu: “Desejo ver-me livre das ataduras deste corpo, para estar com Cristo”. Declara o mesmo Apóstolo: “Enquanto habitamos neste corpo, peregrinamos longe do Senhor”. Conhecer e amar a Deus é a vida da eternidade. Vale a pena lutar para lá chegar, pois a glória celeste é retribuição, é prêmio de um Deus Todo-Poderoso. É importante, pois, ter o senso da eternidade. Eis por que os místicos, que passam seus dias unicamente em função da divindade que esperam contemplar para sempre, vivem em contínua gozosa expectativa. Repetem com o salmista: “A minha alma regozijar-se-á no Senhor”. Pedro, Tiago e João ao contemplarem o rosto de Cristo transfigurado no Tabor, resplandecente como o sol, e suas vestes alvas como a neve34, não mais queriam abandonar aquela visão. Bastou uma gota do mar imenso do esplendor celeste para os arrebatar. Quando, então, imergir no oceano sem fim da beleza divina, o ser racional ver-se-á num interminável êxtase. O candor e a brancura da luz eterna farão esta delícia perenal. A teologia ensina que além da felicidade essencial, provinda da visão beatífica existe ainda no céu a glória secundária ou acidental, advinda dos mistérios da fé, professados na terra pelos eleitos, e de todas as maravilhas da obra criada por Deus. No dizer de D. Cirilo Folch Gomes, “a vida eterna será ao mesmo tempo o êxtase e a existência comunitária com Cristo, com Maria, com os Apóstolos e todos os concidadãos dos Santos. Êxtase de Deus e perfeita vida fraternal”. Santo Tomás assim se expressou sobre esta realidade: “Consiste ainda na suave companhia de todos os santos; sociedade agradável a mais não poder, porque cada um terá, em companhia todos os bem-aventurados, todos os bens. Um amará o outro como a si mesmo, então se alegrará com o bem do outro como se fosse próprio. O que terá por resultado que crescerá a alegria e o gáudio de um na medida do gáudio de todos”. De Santo Agostinho é este trecho abordando este aspecto da glória futura: “Como será feliz lá o Aleluia! Quanta segurança! Nada de adverso! Onde ninguém será inimigo, não morre nenhum amigo. Lá louvores a Deus; aqui louvores a Deus. Mas aqui apreensivos; lá tranqüilos. Aqui, de quem vai morrer; lá, dos que hão de viver para sempre. Aqui na esperança; lá na posse. Aqui, no caminho, lá na pátria”. Donde a assertiva de Vieira: “Só no céu é a paz segura e sem temor, porque dentro não pode haver desunião, e de fora não chegam lá inimigos... A glória é uma perpétua satisfação do desejo, e um perpétuo desejo da mesma satisfação, em que não há fome, porque a fome molesta; nem fastio, porque o fastio cansa; nem o gosto acaba jamais, porque não tem fim”. A glória do céu será individual. São Paulo asseverou: “... Uma é a claridade do sol, e outra a claridade da lua e outra a claridade das estrelas. E ainda há diferença de estrela para estrela na claridade. Assim também a ressurreição dos mortos”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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