A VERDADE E A LIBERDADE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus levantou uma questão filosófica e teológica ao afirmar “a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Trata-se de um tema que muito interessa à espiritualização de seus seguidores. O assunto tem sido tratado por pensadores, biblistas, místicos e as mais diversas opiniões surgem e se percebe a contradição em muitas teses ao tratar deste assunto. Em Niestzche a verdade do “eterno retorno” causa abatimento, desalento. Quando se lê Sartre se percebe que a revelação da verdade da existência se desemboca no absurdo. O encontro com a verdade significa a morte das ilusões e a constatação renovada da finititude humana. Ele, como Niestzche, afirma que os homens precisam alimentar ilusões, pois são elas que nos fazem viver. É a negação da verdade absoluta. Trata-se de um terrorismo intelectual ao qual Cristo se opõe para afirmar que só a verdade é que liberta e não as utopias humanas, que não podem nunca ser um oásis para o viandante no deserto deste mundo. Se para a filosofia verdadeira interessa saber que a verdade lógica é a adequação da intelecto com a coisa conhecida; a verdade ética é a conformidade do que se diz com o que se pensa; que a verdade ontológica é a conformidade das coisas com o pensamento divino, para a fé o que vale sobretudo é a identidade da verdade com Cristo que afirmou: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Quem se une a ele possui, portanto, a verdade que liberta. Junto dele jamais ocorre o erro, a mentira a ilusão. Ele, porém, colocou uma condição: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade!” (Jo 8 31-32) O objetivo de Jesus não foi simplesmente suscitar nossa adesão, mas fazer um apelo para se viva como seus discípulos. Há uma diferença entre crer nele e ser seu seguidor. O grande drama do cristianismo é exatamente o fato de muitos cristãos não viverem a doutrina do Mestre divino. Como é triste se escutar tantas vezes: “Sou católico, mas não praticante”! Este não é absolutamente um epígono de Jesus. Praticar sua palavra significa se imergir nela para a trazer para o cotidiano. Nem sempre se mentaliza esta verdade de que a palavra de Deus é uma luz para a alma. Santo Agostinho dizia que o mesmo respeito que se tem para com a Eucaristia, se deve ter para com a Escritura Sagrada, dado que na Eucaristia Cristo é o alimento de nossa alma, na Escritura Ele é a luz da nossa inteligência. É ela que clarifica toda vida interior. Daí a importância do silêncio do coração para poder perceber a luz celestial. Então, sim, a palavra de Deus permanece e dá frutos opimos. O termo que Jesus empregou é sumamente significativo, pois, permanecer denota perseverança na vida de intimidade com Deus. Cumpre estar enraizado na Trindade Santa. Tal cristão jamais se deixa levar por experiências emocionais, por busca de revelações, por resultados imediatos. Cristo fala em discípulos, termo que se liga a disciplina, mormente a disciplina exigida pelas inspirações hauridas em Sua palavra que deve penetrar as questões mais íntimas, pessoais, densas que dizem respeito à santidade individual. É o que está na Carta aos Hebreus: “Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4,12). Sendo assim, a verdade torna o ser racional inteiramente livre. Nem sempre se pensa no notável projeto de Deus. Com efeito, Ele não quer meramente dar aos que nele confiam sucesso e beatitude, nem mesmo libertar do que pesa a cada um, ou seja, as provações, a fraqueza, os sofrimentos. Com efeito, Jesus não falou de uma libertação no sentido em que a entendiam os judeus de sua época. Ele quer que a vida do cristão seja transformada em Sua imagem, vida espiritualizada na qual se encontra a verdadeira libertação. Com efeito, dá-se então o término de qualquer cativeiro do espírito maligno e o repouso inefável nos Seus braços paternos, numa profunda intimidade com Ele. Tal o escopo máximo do autêntico cristão, a saber, o conhecimento intenso da grandeza sem limites de Deus o que leva ao desenvolvimento da semelhança com Ele. É o que quis dizer Jesus: Sede perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Nisto reside a total liberdade, advinda da verdade absoluta que é o Ser Supremo. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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segunda-feira, 8 de março de 2010
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