quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

IMPORTÃNCIA DAS ACADEMIAS DE LETRAS NO SÉCULO XXI

IMPORTÂNCIA DAS ACADEMIAS DE LETRAS NO SÉCULO XXI
Prof. Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A importância das Academias de Letras flui do liame profundo que existe entre estes sodalícios e a cultura.
Esta cumpre seja sempre fecundada, sobretudo, quando o contexto histórico endeusa a ciência. Esta deificação é visível neste início de milênio quando o cientismo, mais do que nunca, quer ser a chave mágica para solução de todas as questões, pretendendo resolver todos os reais problemas da humanidade. Apresenta-se ele como suficiente para satisfazer todas as necessidades legítimas do ser pensante. Este, entretanto, é um microcosmo que ontologicamente possui uma alma que informa um corpo e um corpo que é informado pela alma. Eis por que a cultura lhe é quididativa, dado que ela visa todo o conjunto da existência social, desde os aspectos tecnológicos e as organizações institucionais até as formas de expressão da vida do espírito, considerando a totalidade como uma ordem de valores que dá qualidade humana à sociedade.
A cultura vivida, como bem a conceituou Ralph Linton, compreende a totalidade dos desempenhos dos membros de uma comunidade na medida em que esses procedimentos são apreendidos e partilhados. Aí precisamente entra o papel da literatura como um dos agentes mais influentes. Com efeito, o literato tem uma capacidade inata de apreensão das situações humanas e sua sintonia com o comportamento dos cidadãos o leva reter nos seus escritos toda uma gama de fatos, ações e reações que sintetizam um momento histórico e a maneira de ser das pessoas nas suas manifestações conjunturais.
Ora, nas Academias de Letras o estudo apurado dos grandes escritores firma a memória nacional e leva ao culto sagrado da língua pátria, refletindo a realidade original própria de um povo e de uma época.
Nas Academias de Letras borbulha em toda a sua pujança o humanismo, revelando aspectos do sentido da vida, da significação do mundo. De todas as formas de arte a literatura é a mais próxima do cotidiano das pessoas.
É de se notar, porém, que a herança cultural é um bem exterior que é transmitido por sucessão. Tudo que uma geração deixa é comunicado à geração seguinte e a literatura é, sem dúvida, um dos veículos mais prestimosos para esta veiculação.
Toda sociedade tem como que uma densidade histórica que manifesta no presente a experiência cumulada do passado. As estruturas, as instituições, certos valores são realidade que duram para além das gerações e isto esplende nas obras daqueles que são cultuados nas Academias de Letras.
Estas são as guardiãs por excelência do patrimônio cultural que se recebe simultaneamente por tradição e por transmissão voluntária e que constitui a transmissão de toda a cultura passada na cultura presente.
Tanto isto é verdade que os próprios historiadores reconhecem a importância capital das pistas que os literatos semeiam através de seus escritos, abordando o modo de ser característico de tempos passados dentro de um determinado progresso alcançado pelas vias do desenvolvimento científico.
De fato, uma sociedade qualquer que ela seja, exprime-se e realiza-se através de sua cultura, ou seja, do conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram por intermédio da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade.
Constitui a cultura como que uma ambiência, um sistema de referência que modela as condutas e hierarquiza os juízos de valor em função das normas, princípios ou padrões sociais que nela são privilegiados.
O literato através de sua intuição artística tem esta aptidão de captar as respostas dos membros de uma sociedade dada a uma situação ocasionada, esboçando novos caminhos. Ele apreende com facilidade o sentido interno da mudança que se opera no mundo e este dom é tanto mais valioso quanto é visível o fenômeno da aceleração da história. É que o autêntico escritor vive em plenitude cada momento existencial. A escritura profunda, culta e atual, vinda da pena de intelectuais repletos de inspirações admiráveis, é jóia preciosa.
Daí o influxo dos mais variados gêneros literários que são as várias formas de trabalhar a linguagem, de registrar a história, fazendo com que essa linguagem seja um instrumento de conexão entre os diversos contextos literários que estão dispersos numa nação e no contexto mundial.
Dotado de uma percepção aguçada, o escritor capta a realidade através de seus sentimentos. Explora as possibilidades lingüísticas e as manifesta no nível semântico, fonético e sintático, sempre retratando o ser humano nas suas mais variadas expressões. É testemunho de sua época. Os “saberes locais” são apreendidos nas malhas metafóricas dos textos literários
O literato tem o condão de idealizar o concreto e de concretizar o abstrato e daí o fascínio que exerce sobre os leitores, mimoseando-os com a fruição estética.
Há, por tudo isto que está sendo aqui exposto, um liame profundo entre a memória e o espírito das Academias que preservam a lembrança do passado e criam o que será a memória do futuro. Deste modo ficam preservados os substratos culturais implícitos na dimensão simbólica e alegórica da linguagem literária.
É que a língua é testemunho vivo da vida de um povo e pelas suas raízes, pela sua evolução, pelo significado dos vocábulos, se torna a vinculação entre as gerações. A palavra concretisa o pensamento, corporisa a idéia, traslada a natureza, compendia o universo, mas quem atinge o clímax desta realidade é o literato que possui o talismã de um mago.
Aí está também motivo pelo qual as Academias apresentam os melhores dicionários em cada nação, conservando em seus acervos os glossários de prístinas eras que retêm uma riqueza lingüística inestimável. Quantas palavras que caem no desuso e reaparecem depois com todo o vigor. A língua sendo um organismo vivo e as palavras suas células, se é verdade que sua renovação obstaculiza sua morte, a ressurreição de muitas palavras se torna, por isso mesmo, um fenômeno natural. Estas ao serem revividas nas Academias não torna quem as emprega pernóstico ou “démodé”. A subtileza da criação literária exige, de fato, que muitos termos por vezes, sejam buscados no baú de um rico passado, mormente pelos contistas.
As Academias, além disto, combatem com eficiência as transgressões que conduzem ao desdém da gramática, do vocabulário e da ortografia.
No século XXI cabe às Academias velar pelo valor dos livros impressos e impedir que os recursos da internet levem de roldão o valor inestimável das Bibliotecas.
Neste aspecto, como sói acontecer em todas as Academias, ao se conservar as obras dos acadêmicos, perpetuam não apenas sua memória, mas ainda preservam obras eruditas, obstaculizando que sejam lançadas no total esquecimento, empobrecendo a literatura local.
O literato descreve um mundo interior onde nascem as mais pulcras construções do espírito, bem diferente do cientista que orienta seu espírito para a descrição do mundo exterior que lhe cabe perscrutar.
Cabe ao literato desenvolver temas harmônicos, associações maravilhosas de palavras. Ele se lança num mundo de aventuras criadoras que levam ao prazer estético inenarrável o qual ultrapassa o mundo visível, ainda que as imagens sejam tiradas do mesmo.
Neste início do século XXI é grande o papel das Academias de Letras para vencer o individualismo, o liberalismo e o pernicioso relativismo. Neste mundo agitado os acadêmicos pela sua serenidade, pela sua liberdade de expressão, pela confiança que inspiram no porvir, podem e devem ser os defensores da verdade expressa com os esplendores que só a literatura confere à comunicação daquele que ultrapassa o tempo, penetra a eternidade para em seguida iluminar este mundo.
Donde ser característica de uma Academia de Letras uma atividade cultural contínua, pluridisciplinar, contando com a participação perseverante dos acadêmicos não apenas com seus trabalhos publicados nas Revistas destes sodalícios, mas também nos debates culturais programados, prestigiando as conferências anunciadas.
O lema deverá ser sempre este: não estar acadêmico, mas ser acadêmico, cônscio da importância da difusão da cultura em geral.
Motor, realmente, do desenvolvimento da cultura local e regional a Academia de Letras é sempre a sentinela avançada da intelectualidade que faroliza belos horizontes, um referencial do melhor da verdadeira cultura de um povo.
Fazem parte de uma rede cultural de qualidade que não pode falhar.
O futuro de uma Academia depende muito, contudo, de seu dinamismo de sua capacidade de se adaptar .
Tradição, modernidade, adaptação e evolução devem nortear os destinos destes sodalícios. Quando as sinergias e os trabalhos levados à frente são favorecidos, então uma Academia de Letras está revigorada e capacitada a espalhar benefícios culturais por toda parte onde pode e deve exercer sua influência.
Isto é tanto mais imperativo quando o cinema e a própria televisão têm procurado, eles também, divulgar as obras literárias.
Ainda no mês de abril último a Tv Cultura passou a apresentar uma série com 13 episódios e em cada um deles uma obra literária nacional é abordada. Segundo o Diretor Rafael Gomes, o objetivo é instigar os jovens a ler a obra citada para que eles percebam que aquele livro não está muito distante do seu universo juvenil.
Por certo as Academias de Letras locais serão procuradas e poderão ampliar ainda mais o interesse por esses clássicos, cujas obras têm sido, outrossim, aproveitadas em novelas que se celebrizaram mundo afora.
Adite-se que tais sodalícios promovem, outrossim, concursos literários, exposições, eventos estudantis e outros, que se tornam um reforço de valia inestimável para os estudantes de todos os níveis. Com essa atividade, conseguem suscitar na juventude vocações para a cultura, e a cultura é imprescindível para a pujança intelectual do Brasil.
Tudo isto patenteia a atualidade das Academias de Letras e o centenário da renomada Academia Paulista de Letras há de fortalecer ainda mais o empenho dos literatos em prestigiar suas associações que contam sempre com sua dedicação, seu prestígio e seu talento literário!

* Professor e Membro da Academia Mineira de Letras – Cadeira 12
www.homenet.com.br/vidigal
vidigal@homenet.com.br

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