sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A CARIDADE DEVE SER SOBRENATURAL

A CARIDADE DEVER SER SOBRENATURAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A primeira característica do Mandamento Novo é que a caridade deve ser sobrenatural, ou seja, praticada, vivida em função de Deus. É que todos os homens foram criados à Sua imagem e semelhança. Sem esta raiz que se imerge na eternidade e vai até o amor increado do Ser Supremo os sentimentos que unem as criaturas racionais não passam de mera filantropia. Seriam então epidérmicos e não resistiriam aos ventos perniciosos do egoísmo.A caridade deve ser sobrenatural na sua origem, em seu objeto, em seus motivos, no seu exercício e no seu fim último. Sobrenatural na sua origem, pois a verdadeira dileção flui de Deus e nasce nos corações fiéis por inspiração do Espírito de Amor, Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Eis por que não há dois amores diferentes: um ao Criador e outro à criatura racional. Há, somente, uma única dileção que se difunde do Ente Supremo, amado sobre todas as coisas, e irradia daí no afeto aos irmãos, imagens vivas deste mesmo Deus. Aí está a razão pela qual é uma farsa alguém asseverar que ama a Deus, mas não o próximo. São João expressou esta verdade em termos claros e sumamente pedagógicos: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão é um mentiroso: pois que não ama seu irmão a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar”. Em conseqüência, a caridade é sobrenatural no seu objeto. Todo homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e cada cristão é um templo vivo da divindade, purificado que foi nas águas batismais, ungido com o óleo da crisma, alimentado pelo pão eucarístico, regenerado tantas vezes pelo perdão divino no Sacramento da Penitência, co-herdeiro da mesma glória da Jerusalém celeste. São Paulo, aliás, contemplava na Eucaristia o sinal luminoso desta unidade cristã ao colocar esta questão aos Coríntios: “Visto que há um só pão nós embora muitos, formamos um só corpo, porque participamos todos dum só pão” (1 Cor 10,17). O que move o fiel a amar, deste modo, os que o rodeiam e a todos os homens são motivos de ordem também sobrenatural. Todo amor, realmente, toda simpatia, todo afeto, inclusive qualquer benefício para com os outros, não é, em si, necessariamente o amor pregado por Cristo aqui no Cenáculo. Este depende dos móveis, das intenções que levam a todas estas louváveis posturas. Amar e ajudar alguém porque nos agrada, nos presta serviços, nos pode ser útil, não é a autêntica caridade. Muito menos se for por causa da beleza física, ou da nobreza do caráter, ou do vigor da personalidade ou outros dotes e talentos. Os pagãos também agem levados por tais motivos que podem até inclinar para a caridade, abrir-lhe espaço, ser sua iniciação, mas não são a sua essência, sua mais fulgurante manifestação. A caridade paira muito mais alto. Transcende o sensível e não considera no outro sua pobre natureza humana tão imperfeita e que pode até levar à antipatia, à repulsa, ao desagrado. O amor que Cristo determinou na Última Ceia leva a contemplar no próximo um reflexo do próprio Deus, Sua claridade infinita e, desta maneira, o bem é feito a todos indistintamente, dado que todos os homens são dignos de amor e respeito independentemente de qualquer fator meramente humano. Seja dito inclusive que tanto maior é este amor sobrenatural quanto as razões pessoais levariam ao menoscabo por falta de qualquer atração meramente externa ou material. Trata-se de ultrapassar as alianças e inclinações naturais que fluem dos sentidos para, através do dom da Ciência, sobrenaturalizar tudo, fazendo inclusive daquilo que é fácil e agradável um ato revestido da luz divina. O cristão está, então, sempre a repetir em tudo: “coloquei minha vida a serviço do próximo e o próximo é Jesus Cristo”. Este mostrou que “os filhos deste século são mais prudentes com sua geração que os filhos da luz” ( Lc 16,8). De fato, é sabedoria celestial transformar todas as atividades em atos meritórios via amor, porque quer queiramos quer não, tudo que se faz é sempre um serviço ao outro. É esta mentalidade que não apenas conduz a atos heróicos para com os desafetos ou para com aqueles com os quais nenhuma força extrínseca justificaria os gestos de compreensão, préstimos ou afeição, mas também leva à eficiência no labor diário, pois este é então feito em função de Jesus. É este móvel sobrenatural que pode prender e consolidar os liames entre pais e filhos, maridos e esposas, entre amigos, mestres, discípulos, entre os que se ligam pelos vínculos trabalhistas. O cristão, realmente, transforma, santifica, eleva, diviniza todas as suas posturas. Eis por que, além de tudo isto, é benigno, bondoso, paciente, tolerante sempre e em toda parte, irradiando paz, tranqüilidade, serenidade. Deste modo a caridade se faz sobrenatural no seu exercício, ou seja, é um comportamento vivificado pela graça de Deus. Não é fácil amar como Jesus amou. Nas palavras, e nas ações, nos juízos e nos desejos, nos sentimentos e propósitos se deve sempre examinar se era assim que o Mestre agiria. Então fica menos difícil afastar a inveja, o ciúme, a arrogância, a altivez, o desdém, a rejeição, a abjeção, o contento, a contumélia, a irrisão, o ludíbrio, o vitupério. É árdua tarefa controlar aquilo que se fala. São Tiago chegou a proclamar esta verdade: “Se alguém não peca pela palavra, é varão perfeito” (Tg 3,2), é um santo. A caridade deve ainda ser sobrenatural no seu fim último, pois tudo que se faz ao próximo deve ser olhando também sua salvação eterna. Nunca um ato de caridade deixa de fazer algum bem espiritual ao outro. É a sedução do exemplo. Foi o que recomendou o próprio Cristo: “Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o Pai que está no céu” (Mt 5,15). * Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008.

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