A TEMPESTADE ACALMADA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O texto de São Marcos sobre a tempestade acalmada por Cristo (Mc 4,35-41) é de uma densidade profunda, mesmo porque nele contemplamos Jesus enquanto homem e enquanto Deus. De um lado Cristo fatigado, dormindo sobre um travesseiro, de outro Cristo onipotente que dá ordem ao vento e ao mar. Ilustração magnífica da verdade expressa no Credo: duas naturezas e uma só pessoa. Apenas pela fé é que se pode compreender o mistério do Verbo Encarnado. O perigo é querer reduzir o Filho de Deus a um simples Jesus histórico, um puro ser humano, criado segundo a imaginação humana de certos escritores e que não corresponde à imagem do Deus vivo que se fez carne e habitou entre nós. Surge de fato um Jesus histórico que é uma figura mitológica auto-inventada por alguns intérpretes da Escritura a serviço das ideologias correntes. Aqueles que insistem demais na humanidade de Jesus, reduzindo-o a um mero homem, destroem a dimensão transcendente, isto é, aniquilam sua identidade como Unigênito de Deus. Deste modo, os fatos que apresentam os Evangelhos são vistos como mero relato biográfico, transformando o Redentor num homem ideal, modelo a seguir, mas semelhante a outras notáveis figuras históricas e não como encarnação de Deus. Disto decorre não o verdadeiro seguimento de Jesus, mas somente a imitação dos ideais que Ele sintetizou em sua existência humana. Na verdade, porém, a vida do cristão é uma identificação com o Salvador na linha de São Paulo: "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Cristo, realmente, não é mero eco das aspirações humanas, ou mera resposta às inquietudes do ser racional, mas prossegue no batizado a Sua vida como Ele mesmo o deseja: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele" (Jo 6,56). Por outro lado não se pode acentuar demais a divindade de Jesus em detrimento de sua humanidade, pois se corre o risco de O transformar num super-homem, num semi-deus, alheando-O da realidade humana. Muitos, por isto mesmo, não apreciam refletir e meditar sobre os sofrimentos, as angústias de Cristo. Ao Jesus da pobre manjedoura ou da cruz preferem o Cristo do Domingo de Ramos, dos milagres estupendos, fixando apenas os prodígios por Ele operados. Esquece-se então que Jesus, ainda que seja de fato aquele por quem tudo foi feito (Jo 1,3) alcançou ser perfeito mediante as amarguras como mostrou São Paulo: "Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve" (Hb 5,8), tornando-se em tudo semelhante aos seus irmãos, “para ser um pontífice compassivo e fiel no serviço de Deus, capaz de expiar os pecados do povo" (Hb 2,17). Para que não se valorize apenas a divindade de Jesus é de bom alvitre então sempre situá-lo no ambiente no qual viveu e atuou e se ater aos condicionamentos econômicos e sociais com os quais Ele se defrontou. O conhecimento do ambiente geográfico e histórico de Cristo permite o aproximar-se da figura concreta de Alguém que continua a chamar hoje ao Seu seguimento, mas agindo de uma maneira muito humana. Eis por que o aludido texto de São Marcos é tão precioso por mostrar o lado humano e o divino do Redentor. Cumpre, de fato, considerar a divindade e a humanidade de Jesus como duas magnitudes de todo integradas em sua pessoa, sob pena de se desvirtuar o mistério da Encarnação. Do contrário resulta o deletério dualismo acima mostrado. Apenas assim Jesus se torna o caminho do homem para Deus como aconteceu com os Apóstolos que, após a calmaria que se deu com a intervenção de Jesus, “diziam uns aos outros: Quem é este a quem o vento e o mar obedecem? “(v. 41). Ficaram impressionados com a pessoa de Jesus tão humano, mas ao mesmo tempo Deus poderoso que, assim, pôde se proclamar “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Desta maneira, o cristão se achega a Ele, Homem e Deus verdadeiro com coração sincero e com a plena firmeza da fé. * Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008.
sábado, 13 de junho de 2009
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Esse barco citado é nossa vida, e o que será que esta pesando no nossa barco hoje?
ResponderExcluirDevemos no desfazer d tudo o pesa sobre o nosso barco tentando nos afundar...
Porque o comandante desse barco é Jesus e com Ele não há nada a temer...