sexta-feira, 26 de junho de 2009

Os Bispos do Brasil e os Escravos

OS BISPOS DO BRASIL E OS ESCRAVOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho *
O Arcebispo de Mariana, D. Oscar de Oliveira, em memorável sessão no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro mostrou “como a Igreja se interessou efetivamente pelos escravos africanos. Ela fez por eles o que estava ao seu alcance”. Eis alguns fatos relacionados por S. Exa.: “Em fins do século XVIII, na Bahia, o capuchinho Pe. José Barbarola faz-se valente abolicionista da escravidão dos negros. Outro capuchinho, Padre Freitas Eugênio de Gênova, chegado ao Rio em 1843 e exercido catequese em Mato Grosso e Uberaba, Minas Gerais, aí falecendo aos 59 anos, em 1871 “tinha obtido em favor dos escravos 686 cartas de alforria” (Capuchinhos em Terras de Santa Cruz, ed. São Paulo, 1940.p.267). Em Minas, um outro atuante abolicionista foi o Padre José Gonçalves. Também o missionário lusitano, Padre Antônio Ferreira Viçoso, da Congregação da Missão, futuro bispo de Mariana, escreve longa dissertação contra a escravatura apoiado em sólidos princípios bíblicos, teológicos, jurídicos, sociais e ainda do magistério eclesiástico. Outro mineiro, Padre João de Santo Antônio, fundador de Cordisburgo, foi um grande defensor dos escravos”. Lembra, em seguida, o Pe. Antônio Fernandes dos Santos, pároco do Brumado de Suaçui, hoje Entre Rios de Minas, que comprava escravos para os emancipar. Outro sacerdote citado é o Pe. Correia de Almeida, de Barbacena, que já em 1854 profligava a escravatura, através de suas poesias de fina lavra. No século XVIII, fala D. Oscar de Oliveira, “a Igreja instituirá, com gosto, as Irmandades só para os escravos, com o nobre empenho de oferecer-lhes oportunidade de encontro durante festas religiosas, que eles celebravam com rusticidade e ingênua alegria, fonte de precioso folclore”. O que fizeram os bispos no século XIX pela abolição da escravatura foi objeto de acurado estudo do Arcebispo de Mariana que, de maneira irrefutável, demonstra a solicitude da Igreja através de D. Antônio Cândido de Alvarenga, Bispo do Maranhão, em 1877; D. Antônio Ferreira Viçoso, em Minas Gerais, um pouco antes; D. Pedro Maria de Lacerda, no Rio de Janeiro; D. Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, também em Minas no final do século; D. João Antônio dos Santos, neste Estado, em Diamantina.
Num regime de Padroado, a Igreja, verdadeiro órgão estatal, oficialmente, não podendo se insurgir contra as leis portuguesas, exerceu seu papel de transformadora das consciências e combateu a favor da igualdade dos direitos, o qual fez surgir grande número de manumissores. O coroamento deste empenho, traduzido em inúmeras medidas eficientes, foi a própria abolição da escravatura, proposta como homenagem ao jubileu sacerdotal do Papa Leão XIII. A “Lei Áurea” foi o apogeu de uma campanha centenária. O chefe da Igreja dirigiu ao episcopado nacional congratulações efusivas. A Igreja, como outrora seu Fundador, jamais preconiza a guerra armada contra os injustiçados. Sua missão é instaurar o reino de Deus, pois tudo o mais vem por acréscimo. Ao evangelizar, ela humaniza. Sua atuação, no período escravagista, impediu, de fato, que maior fosse o desatino de alguns. Criou ambiente favorável aos escravos. Proporcionou a alforria de milhares deles. Conseguiu a extinção total da injustificável opressão.
Sábia a orientação da Igreja diante das proporções assumidas pela escravização africana. Demos a palavra ao historiador protestante Dobschütz: “A repentina abolição da escravatura eqüivaleria a uma revolução social irrealizável no mundo cristão por mais reduzido que este fosse: revolução impossível aos olhos dos patrões, cujos haveres constavam principalmente de escravos; impossível também aos escravos, os quais teriam sido, em maioria, despojados dos meios de subsistência que eles recebiam dos senhores”. Toda agitação é de gravíssimas conseqüências sobretudo num caso complexo como este.
As facetas do Barroco Mineiro fazem um dos capítulos mais belos da sociologia religiosa de todas as eras. Fenômeno social extraordinário na História, para o qual muito contribui a presença da Igreja.
A condição dos escravos mereceu, felizmente, a devida atenção evangelizadora e libertadora da Igreja, que sempre emprestou sua voz a quem não tem vez.
* Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008 – vidigal@homenet.com.br

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