quinta-feira, 25 de junho de 2009

A METRÓPOLE E A ESCRAVIDÃO

A METRÓPOLE E A ESCRAVIDÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Papa Pio II, em 1462, antes da descoberta do Brasil, já havia ensinado que a escravidão é “magnum scelus”, crime horripilo, ordenando censuras eclesiásticas a quem submetia o cativeiro o seu semelhante. Paulo III, em 1537, ameaçou de excomunhão quem escravizasse índios. Os antigos falaram na “auri sacra fames” - fome dominadora do ouro e a ganância humana, ontem, como em nossos dias, é causa de delitos os mais hediondos. A Igreja, constantemente, exigiu o respeito, a fraternidade, o humanismo autêntico. Os papas não deixaram de insistir nos albores da colonização sobre esta doutrina evangélica. Depois, estiveram sempre atentos. Em 1741, Bento XIV se dirigiu ao bispo do Brasil e ao rei de Portugal lamentando que não se observavam as normas de seus predecessores. Gregório XVI, em dezembro de 1837, publicou uma encíclica exortando os bispos a fazerem tudo para colocar um fim a sistema tão desumano.
Os bispos brasileiros, corajosamente, se empenharam juntamente com o clero regular e secular e católicos convictos, contra a escravidão. Arrastados, pois, pela ambição, vendo a prática escravocrata dos muçulmanos e de outros povos, os portugueses a introduziram no Brasil, não obstante os protestos da Igreja. Nem sempre, porém, se leva em conta que as tribos africanas, num estágio primitivo de civilização, praticavam a escravatura. Em certas regiões as populações eram constituídas na maioria por escravos. Os régulos mantinham a escravidão militar. Portanto, em muitíssimos casos, houve simplesmente mudança de patrão e centenas de escravos passaram a ter um tratamento cristão. Muitos tiveram até um tratamento privilegiado nas casas de seus senhores. Outra observação, muitas vezes olvidada: no Brasil-Colônia o escravo era um investimento caro e condição de lucro. Assim, mesmo sob este ângulo, era tratado com cuidado, pois ao seu dono não era interessante que se lhe causasse qualquer dano. Ontem, como hoje, houve atrocidades. Por vezes, exagerou-se e generalizou-se, mas o que, realmente, foi feito pelo escravo, não se enfoca com o devido senso crítico. No Brasil muito foi feito pelo escravo.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, aprovadas por D. Manuel Monteiro da Vide, em 1707, traziam muitos cânones ligados à vida do escravo. Zelo real, eficaz e de grande repercussão. Condenava “o desumano, e cruel abuso, e corruptela muito prejudicial ao serviço de Deus, e bem das almas, que em muitos senhores de escravos se tem introduzido; porque se aproveitando toda a semana do serviço dos miseráveis escravos, sem lhes darem coisa alguma para seu sustento, nem vestido com que se cubram, lhes satisfazem esta dívida fundada em direito natural, com lhes deixarem livres os Domingos, e dias santos, para que neles ganhem o sustento, o vestido necessário”. Suplica então: “pelas chagas de Cristo nosso Senhor, e Redentor, que daqui em diante acudam com o necessário aos seus escravos, para que assim possam observar os ditos preceitos, e viver como Cristãos”.
Antes, o Pe. Vieira foi um abolicionista denodado. Campanha magnífica, do grande orador que assim se expressava: “que teologia há ou pode haver que justifique a desumanidade e sevícia dos exorbitantes castigos com que os escravos vos são maltratados? Maltratados, disse, mas é muito curta esta palavra para significação do que encerra ou encobre”. Com suas idéias antiescravagistas, “o primeiro liberal-abolicionista dos tempos modernos” proclamava: “Sem a escravidão dizem não poderíamos ter açúcar. Pois bem: se não conseguirmos tê-lo senão à custa de crimes, devemos saber privar-nos dele, renunciando a uma mercadoria manchada com o sangue de nossos irmãos”. Como observa Ivan Lins, ele se antecipou “de mais de século e meio, a Condorcet quando usou de imagem análoga em nota ao Elogio de Pascal”. Aliás, segundo o Padre Francisco Rodrigues, os Superiores e Gerais da Companhia de Jesus nunca se conformaram com o tráfico de escravos feito por alguns jesuítas estabelecidos em Angola, os quais os enviaram ao Brasil em troca de mercadorias.
* Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008 – vidigal@homenet.com.br

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