quinta-feira, 17 de setembro de 2015
O TEMOR FILIAL DE DEUS
O TEMOR FILIAL DE DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Há uma relação estreita entre o temor de Deus e o amor a Deus. Ambos são dons do Divino Espírito Santo. Um é o começo do relacionamento interpessoal com a divindade, o outro é a imersão no oceano da dileção divina. O temor conduz a evitar o mal, o amor leva a praticar o bem. Quando se age, porém, somente no interesse próprio, pelo medo de um castigo eterno, a generosa entrega ao Criador se esvai. Existe uma diferença entre abominar o que desagrada a Deus por causa dos eventuais castigos pelo desprezo de um dos dez mandamentos e amá-lo porque Ele merece todo o afeto de um coração filial. O cristão procura neste caso se submeter e agradar a Deus não movido pelo receio de uma punição devida a uma má ação, mas porque Ele merece ser amado sobre todas as coisas. Então, como bem ensinou São João, “no amor não há medo; o amor perfeito antes expulsa o medo, porque o medo traz consigo uma aflição; e quem tem medo, não é perfeito no amor” (1 Jo 4,18). Deste modo, o cristão teme ofender a Deus não porque Ele pode castigar, mas porque O ama, sendo Ele infinitamente amável. Daí a distinção teológica entre o arrependimento de um pecado por atrição na qual prevalece o temor da penalidade e a contrição perfeita na qual impera a dileção. A contrição perfeita leva o pecador a se arrepender de suas faltas porque Deus é aquele que, unicamente, merece ser amado sobre todas as coisas, sendo El infinitamente amável. Entretanto, o temor reverencial do Ser Supremo produz efeitos magníficos dos quais resulta o progresso no amor, que tende a envolver a vida do cristão. Com efeito, o temor inspira uma vigilância contínua para fugir de tudo que desagrada ao Todo Poderoso Senhor. Induz a se tomar precauções para, nem de longe, ofender Aquele que se ama. Obstáculos são afastados. Todos os liames que podem prender às ilusões terrenas ficam alijados. O mundo e seus efêmeros prazeres é que passam a ser temidos. A sensualidade, o demônio e suas insidias são vencidos. O cristão passa a perceber que o temor servil é próprio dos escravos, enquanto o amor verdadeiro é a porta da autêntica liberdade. No afã de contentar a Deus já não o incomodam os trabalhos, os sacrifícios, mesmo porque o amor tudo supera. O que se esquece muitas vezes é que há três fontes do temor. Se este vem de Deus a quem se teme perder é isto uma prova de que é temor louvável e abrirá as portas para o amor. Se vem da imaginação mal dominada, precisa ser logo banido e a ele não se deve dar atenção alguma. Se vem do demônio, todo cuidado é pouco, pois gerará o desespero. O meio para purificar o temor é a confiança inabalável em Deus, ao qual se deve abandonar inteiramente, entregando-se filialmente nas Suas mãos poderosas. Então o demônio desaparece. Passa a reinar, tão somente, o amor, âncora certa de salvação. Entretanto, entre as consequências saudáveis do temor de Deus está o anseio do cristão de se mortificar, corajosamente se dispondo a impedir tudo que o pudesse afastar de seu Senhor. Foge das ocasiões de pecado não se deixando levar pelas sugestões do espirito do mal. Deste modo, o temor é contrapeso ao relaxamento espiritual e oferece ocasião a atos amorosos daquele que reverencia a Deus porque O quer amar. Eis porque diz a Bíblia: “O temor de Deus é o início da sabedoria”. (Pv 9,10). O cristão vai se tornando cada vez mais dócil, mesmo porque sente ainda mais intensamente a proteção de um Deus que é justo, mas sumamente misericordioso e desejoso de ser amado em plenitude. Vai se operando a passagem do temor para o amor. A alma se abre completamente para a esperança e esta a lança no mar da dileção divina. O Espírito Santo, que é o amor eterno entre o Pai e o Filho, toma o governo da vida do cristão que nunca deixa de reverenciar filialmente a Deus, mas faz do amor a atmosfera de sua existência. Ele se torna a cada instante mais unido a seu Criador. Bem escreveu São Paulo: “Aquele que adere a Deis (por amor) se torna um com Ele”. Então já não há lugar para temor algum. Deus começa a reinar numa alma a qual, sob a inspiração do temor filial, atingiu a perfeição do amor. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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